Uruguaios tosquiam ovelhas alentejanas com técnicas australianas

A desvalorização da lã faz da tosquia um custo para os produtores mas recorrer aos uruguaios é necessário para garantir o bem-estar animal. O número de ovinos em Portugal ronda os 2,4 milhões.

Foto
A lã das ovelhas Merino voltou a ser muito valorizada Adriano Miranda

Com a ascensão das fibras sintéticas nos anos 80 do século passado, a preços altamente competitivos, e a consequente desvalorização da lã virgem, a mão-de-obra especializada na tosquia de ovinos foi abandonando a profissão e hoje é difícil encontrar quem a queira abraçar. Mas com o ressurgimento da procura de lã da raça merino para satisfazer as necessidades de um nicho de mercado têxtil de luxo, que tem vindo a crescer, a Associação de Criadores de Ovinos do Sul (ACOS), sediada em Beja, teve de recorrer a profissionais oriundos do Uruguai para tosquiar ovelhas num território que vai além da região alentejana.

A opção pelos tosquiadores do Uruguai, país que tem uma importante produção ovina, reside no tipo de “serviço profissional que oferecem, baseado numa técnica australiana, que aproveita ao máximo a lã e garante o bem-estar animal”, explicou ao PÚBLICO Miguel Madeira, vice-presidente da ACOS e responsável pelo serviço de tosquia e lãs.

Na tosquia tradicional, o trabalho de maneio exige que as patas dos animais sejam amarradas, procedimento que origina ferimentos e que faz com que os bichos, por vezes, façam as suas necessidades devido ao stress a que são sujeitos. No método australiano, as patas das ovelhas ficam livres, são tosquiadas à medida que mudam de posição, o que faz com que lutem menos, sendo o esforço despendido pelos trabalhadores menor. Há uma economia no tempo de intervenção, já que o tosquiador fica com uma postura mais adequada à tarefa que executa.

Um profissional experiente pode tratar num dia de 8/9 horas de trabalho uma média de 80 animais, mas também há quem chegue à centena. “É uma tarefa muito exigente em termos de esforço físico”, reconheceu Miguel Madeira.

Os sul-americanos cobram 1,70 euros por cada ovelha sujeita à máquina zero. Iniciam a sua tarefa no continente europeu, tosquiando ovelhas espanholas, e depois deslocam-se para Portugal. A adesão a este serviço por parte dos produtores tem vindo a crescer. Em 2015, as equipas da ACOS, já asseguradas por profissionais uruguaios, tosquiaram 20 mil animais e recolheram cerca de 50 toneladas de lã. Em 2022, o seu número subiu para 142 mil e produziram um volume acima das 350 toneladas. O efectivo pecuário de ovinos em Portugal é de 2,4 milhões de animais e, destes, 60% encontram-se no Alentejo. A maioria da lã nacional é comercializada através de intermediários. “Uma ovelha dá uma média de 2,100/2,200 quilos de lã”, refere Miguel Madeira.

Contudo, para os produtores de ovinos, a lã recolhida não se tem traduzido numa mais-valia. “Houve anos em que tosquiar as ovelhas representava prejuízo para os produtores.” Entre 2015 e 2021, o preço por quilo variou entre 0,70 cêntimos e 1,20 euros devido aos condicionalismos externos. Com o surgimento do surto pandémico, a Austrália, o principal produtor e exportador de lã, “viu as suas rotas de comercialização interrompidas de forma inesperada” e os preços passaram a ser controlados, “sem concorrência, por outro gigante da lã, a China, que é o principal comprador mundial”, observa o vice-presidente da ACOS.

As consequências estenderam-se aos produtores portugueses. No saldo entre as importações e exportações, verifica-se que “a grande maioria da lã produzida em Portugal é exportada para a China e depois regressa ao nosso país transformada”, acrescentou Miguel Madeira.

Os constrangimentos já referidos acabaram por se reflectir na colocação das lãs nacionais. O que fazer então com as toneladas de lã do país? O responsável pelo departamento da lã da ACOS relatou ao PÚBLICO a solução encontrada para valorizar a produção nacional: “Juntámo-nos à Comercial Ovinos, uma cooperativa espanhola que gere 30% das lãs do país vizinho, e ganhámos escala e maior poder negocial. Ao ser vendida de forma agrupada, depois de escolhida e loteada, a lã atinge preços mais elevados no mercado mundial.”

Na região alentejana, a raça merino é maioritária e, a nível mundial, a quase totalidade da lã que se comercializa é merina extra, merina fina e merina corrente, e tem na Austrália, China, Nova Zelândia e Uruguai os maiores produtores e onde mais se investe no melhoramento genético da lã. Os fios e os tecidos são considerados uma matéria-prima que exige mão-de-obra qualificada e o processo de produção é longo e complexo, resultando num produto que, sendo de melhor qualidade, é mais caro, destinando-se sobretudo a consumidores mais exigentes e com maior poder de compra.

A Associação Europeia de Fibras Sintéticas referia, nos dados que publicou em 2019, que apenas 1% da produção mundial de fibras têxteis é proveniente da lã.

Mesmo assim, “a lã nacional tem potencial para melhorar ainda mais”, defende Miguel Madeira, explicando que os merinos australianos descendem de ovinos que saíram da Península Ibérica, mas que “foram sujeitos a melhoramento e hoje produzem as lãs mais finas do mundo”, refere o vice-presidente da ACOS.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários