Cartas ao director

Se é para ser assim, que seja assim para todos

Depois de algumas semanas de verdadeira loucura mediática e política, tudo a reboque do Correio da Manhã e do Chega, os dois grandes vencedores, termine isto como terminar, só faltava o Presidente da República vir agora propor que o já famoso questionário seja também alargado aos actuais membros do governo. É assim como se, a meio de um jogo de futebol, o árbitro decidisse mudar as regras do jogo.

Chegados ao ponto a que isto chegou, já não basta que só os membros do governo da República passem a prova do questionário. É preciso alargá-lo a todos os detentores de cargos públicos, seja por eleição ou nomeação política. A ideia de que só existem "trapalhadas" no governo é limitada. Governo dos Açores, Madeira, deputados, autarcas, dirigentes dos partidos políticos, etc., todos têm a obrigação de passar no teste do algodão. Mas para as futuras nomeações, não retroactivamente.

J. Sequeira, Lisboa

O pântano

Tudo. António Costa tinha tudo para levar de vento em popa a governação desta legislatura: a maioria no Parlamento garantia uma invejável estabilidade, o partido não ousava questionar a sua orientação, a oposição vinha revelando uma incapacidade de crítica credível.

A verdade, porém, é que o Governo vem revelando uma intolerável arrogância e uma sucessão de "casos e casinhos", ao ponto de, em dez meses, termos assistido a dez demissões, quando as suspeitas se vêm avolumando. Os escândalos, tumultos e greves atingem uma constante insuportável. Lembram-se de Guterres se ter afastado dum "pântano" muito menor que este miasmático lodaçal? Até quando suportaremos este opressivo e doentio ambiente apodrecido? Quando virá o murro na mesa, senhor Presidente? Basta!

José Sousa Dias, Ourém

A imagem da escola denegriu-se

O artigo de Carmen Garcia no PÚBLICO sobre a imagem que construiu da escola enquanto lá andou não me deixou indiferente. Desde aí já se passaram algumas décadas; certamente as mesmas em que essa imagem da escola se foi gradualmente deteriorando. As causas não cabem todas neste pequeno comentário, mas todas se encadeiam. Basta invocar uma, e muitas outras vêm por arrasto formando uma bola de neve. Todo o mundo exterior à escola parece ser mais valorizado pelos alunos, tendo a escola que lutar contra adversários que deveriam ser seus incondicionais aliados. Aparentemente esta degradação de imagem tem sido aproveitada para menorizar o papel dos seus agentes e assim lhes diminuir a respectiva compensação. A escola deve descartar responsabilidades sobre o que tem corrido mal na evolução que, sem ela, não teria acontecido.

José M. Carvalho, Chaves

O desaparecimento da noite

A notícia do PÚBLICO sobre os altíssimos índices de poluição luminosa (edição de sábado) dá‑nos uma imagem negra (mais uma!) de Portugal. Com efeito, estamos entre os maiores poluidores da Europa, o que não deixa de ser escandaloso num tempo de crise energética.

Além de se afigurar um gigantesco obstáculo à investigação astronómica, a perda da noite constitui um desastre ambiental, cujas consequências negativas, por certo, para o futuro da Humanidade ainda hão‑de ser objecto de um juízo que elucide a opinião pública e satisfaça a comunidade científica. (São evidentes, pelo menos, e para já, as perturbações do sono.) Mas o Homem só se tornou Homem, ao longo de milénios, nesta alternância — cósmica — de luz e treva. Ora, perante a perspectiva apocalíptica de um término de tal bipolaridade, é caso para fazer nosso o célebre verso de Álvaro de Campos: Vem, Noite antiquíssima e idêntica, e devolve‑nos as estrelas do Universo!

Eurico de Carvalho, Vila do Conde

À espera de Godot

Recolho a bonita - e gratuita - agenda de Janeiro a Julho de 2023 do Teatro Nacional São João e, em vez de olhar apenas para o lado positivo da coisa, tenho imediatamente este pensamento negativo: “Pego nisto mas depois não tenho dinheiro para ir ver seja o que for. O teatro está caríssimo. É sempre para a mesma elite e para o mesmo beautiful people de sempre!” Gostaria que apenas fosse mais um dos meus recorrentes pensamentos negativos, mas, infelizmente, quase-quase 50 anos depois de Abril de 1974, como já disseram Lídia Jorge e muitos outros intelectuais, a falta de democracia plena no acesso às várias formas de cultura é - ainda! - um dos grandes falhanços da democracia portuguesa. Não será plenamente o falhanço da democracia tout court? E lá tenho eu mais um pensamento negativo: “Depois queixem-se se a Liberdade não resistir mais 50 anos", mais 50 anos neste país-palco eternamente à espera de Godot (vulgarmente conhecido aqui como Sebastião).

Nelson Bandeira, Porto

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