Há dezenas de papagaios-do-mar a dar à costa por todo o país. Mau tempo parece ser a causa

Arrastados pela tempestade, papagaios-do-mar estão a arrojar em múltiplas praias do país. Seria um fenómeno normal – se não fossem mais de 100. E o número só aumenta.

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O papagaio-do-mar que perdeu a vida nas mãos de Afonso Castanheira, presidente da associação ambientalista Mestres do Oceano, parece ser só mais um entre os muitos que, arrastados pela tempestade, têm vindo a surgir na costa portuguesa.

Desde o fim-de-semana de 6 e 7 de Janeiro, o grupo tem recebido um grande número de notificações de arrojamentos de papagaios-do-mar, registando-se mais de 158 esta terça-feira, juntamente com algumas tordas-mergulheiras – um número que continua a aumentar, à medida que Afonso Castanheira e dezenas de voluntários percorrem as praias à procura de mais aves.

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Só durante a tarde desta terça-feira, foram recolhidos pelo presidente da associação 33 papagaios mortos e 15 ainda com vida.

Reuters,Tiago Bernardo Lopes

Em Peniche, o músico e activista encontrou aves nas praias do Molhe Leste, dos Supertubos e na Praia D’El Rey. Contudo, os avistamentos não ficam por aqui e a associação já recebeu informações de avistamentos no Porto, em Aveiro, em Coimbra e em Porto Santo, na Madeira, onde “já apanharam um grande número de aves”.

“E ainda só estamos no início, porque a tempestade está a aumentar”, afirma Afonso Castanheira, ao som do telefone que vibra com novos alertas dos restantes voluntários.

Apesar de alguns deles terem sido encontrados vivos, todos os 158 papagaios estão, actualmente, mortos. Só durante a tarde desta terça-feira, foram recolhidos pelo presidente da associação 34 papagaios mortos e 15 ainda com vida, que vão ser encaminhados para reabilitação.

A associação enviou 29 papagaios-do-mar e quatro tordas-mergulheiras, encontrados nos últimos dois dias, para o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (INCF). As aves foram, entretanto, divididas entre a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) e o Centro de Reabilitação de Animais Marinhos (CRAM) de Aveiro para uma autópsia que vai apurar o que aconteceu a estes animais.

Até ao momento, quatro aves já foram analisadas sem qualquer registo de vírus ou doenças, mas com uma coisa em comum: são juvenis, tal como acontece com uma grande parte dos papagaios-do-mar que chegaram às mãos de Afonso Castanheira. E, além de jovens, “são pequeninos e estão sem energia nenhuma”, alerta o activista.

Mau tempo pode ter causado os arrojamentos

Apesar de se colocar a hipótese de o grande número de mortes se dever a um surto de gripe das aves que corre no norte da Europa, o presidente dos Mestres do Oceano nota que, por as aves estarem a viajar de sul para norte, a hipótese “não faz muito sentido”.

Pelo contrário, o presidente do grupo ambientalista atribui os arrojamentos às tempestades e ventos fortes dos últimos dias, que podem ter limitado a caça – o que justifica a fraqueza dos animais – e a deslocação de papagaios inexperientes, que poderão ter sido empurrados.

Normalmente, os papagaios-do-mar visitam Portugal de passagem nos meses de inverno, quando migram. Arrojamentos destas aves são comuns, pelo que é comum encontrar exemplares mortos ou em estado débil após tempestades fortes.

Contudo, Afonso Castanheira alerta que o arrojamento de mais de uma centena de aves é invulgar e “um exemplo perfeito” da forma como as alterações climáticas podem afectar as aves marinhas.

“Quando a temperatura muda, muda tudo de sítio”, afirma. E, com efeitos que vão das tempestades mais frequentes e intensas às águas mais quentes que influenciam as rotas migratórias dos peixes que elas comem, o aquecimento da Terra está a fazer notar a sua presença na rotina das aves marinhas que, com falta de nutrição, ficam mais vulneráveis ao mau tempo.

Já não é a primeira vez que a Mestres do Oceano se depara com arrojamentos em grande número, pelo que o activista acredita que, com o clima a mudar, o fenómeno pode tornar-se mais frequente. Há pouco mais de um mês, cerca de 70 tordas-mergulheiras deram à costa em Peniche, possivelmente mortas por redes-fantasma usadas na pesca.