Dezenas de aves mortas deram à costa em Peniche. O que as matou?

Mais de 70 tordas-mergulheiras foram encontradas entre a baía de Peniche e a praia do Baleal, dispersas ao longo de cerca de quatro quilómetros. Apenas cinco estavam vivas.

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Há três tordas-mergulheiras ainda vivas, que estão em reabilitação Mestres do Oceano

Afonso Castanheira, presidente da organização ambiental Mestres do Oceano, não fica surpreendido quando vê, com alguma regularidade, aves mortas que deram à costa do Baleal, em Peniche, onde vive. Mas, na passada quarta-feira, 30 de Novembro, a maré trouxe-lhe uma surpresa. Após várias chamadas de pessoas que “viram muitas aves espalhadas pela praia e não sabiam o que fazer”, Afonso Castanheira deslocou-se à praia do Baleal e o que encontrou foi, até para si, “absurdo”.

Cerca de 70 tordas-mergulheiras estavam espalhadas por toda a baía, ao longo de cerca de quatro quilómetros. “Espalharam-se entre a baía de Peniche e o Baleal. Foram encontradas mais de 70 e cinco delas estavam vivas”, conta o presidente dos Mestres do Oceano.

O músico [com o nome artístico de Sea Groove] e activista ambiental tentou fazer o que podia naquele momento, recolhendo todas as aves e enterrando as mortas. Teve de o fazer em mais de três viagens, “porque elas estavam espalhadas por toda a baía”. As que ainda viviam foram levadas para o Centro de Reabilitação de Animais Marinhos (CRAM) de Aveiro. Entretanto, duas morreram. “Quanto às outras três, ainda não sabemos como estão”, conta ao PÚBLICO.

Tordas podem ter ficado presas em redes-fantasma

Afonso Castanheira relata ter encontrado fios de nylon transparentes em “três ou quatro” das aves mortas – material este que, normalmente, compõe as redes de emalhar também conhecidas com redes-fantasma usadas por pescadores.

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A denúncia foi feita pela organização ambiental “Mestres do Oceano”.

Joana Gonçalves

Para o presidente do Mestres do Oceano, o facto de ainda existirem redes presas às aves significa que as redes podem ter sido cortadas por pescadores, após notarem que as tordas estavam presas. “Não sabemos ainda que pescadores podem ter feito isso”, diz Afonso Castanheira.

A associação falou com a Protecção Civil do concelho de Peniche e o caso foi entregue à Polícia Marítima. Contudo, Afonso Castanheira não recebeu qualquer actualização da situação desde essa altura. O PÚBLICO contactou o comando local da Polícia Marítima de Peniche, mas não obteve resposta até ao momento.

Apanhar aves em redes de pesca é um fenómeno comum e já tem nome: by catch. É, resumidamente, um acidente que ocorre quando o pescador usa um tipo de artes de pesca para capturar determinada espécie, mas acaba por apanhar outros animais, como peixes, golfinhos ou aves.

No caso das tordas-mergulheiras, um by catch pode acontecer quando as aves se atiram à água para apanhar peixe e ficam presas nas redes de emalhar, que são usadas à superfície para capturar determinados cardumes que nadam aí perto. O facto de as redes serem transparentes e de plástico é um duplo problema – se, por um lado, as tordas não são capazes de detectar uma rede transparente, por outro, não conseguem rasgar o plástico para se soltarem.

No pior dos cenários, acabam por morrer afogadas, e são os próprios pescadores que têm de cortar a rede, o que geralmente a deixa inutilizável. Afonso Castanheira suspeita que foi isto que aconteceu às tordas-mergulheiras encontradas mortas no areal de Peniche.

Como prevenir que o fenómeno se repita?

A verdade é que, “enquanto houver artes de pesca que sejam feitas com este tipo de redes de plástico e transparentes, vai sempre acontecer isto”, comenta o activista, concluindo que prevenir o by catch de aves é difícil.

A Sociedade Portuguesa de Estudo das Aves (SPEA) está a desenvolver um papagaio com formato de ave predatória, que, colocado nas embarcações, afugenta os pássaros e os impede de caçar perto das redes. O projecto ainda não está 100% pronto, mas, na opinião do presidente dos Mestres do Oceano, esta pode vir a ser “uma boa solução”.

Ainda assim, o principal problema está no facto de não ser “usado material orgânico, que era muito mais fácil para permitir que as aves consigam cortar estas redes”. Evitar mortes acidentais passaria, necessariamente, por uma mudança do material usado nas redes, propõe Afonso Castanheira, que conclui que “a mão humana foi o factor fundamental para a morte destas aves”.

Texto editado por Andrea Cunha Freitas

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