Falando de política no Brasil…

As pessoas estão dominadas pelo medo e pelo ódio, desde que o populismo disseminou o seu modo de pensar: respostas simplistas para problemas sociais complexos.

A política para os brasileiros é algo quase orgânico, um tema naturalmente íntimo, presente em nossa vida porque nascemos quase implicados nela e por ela. Temos a sensação de que a política nos dá a todos a razão de viver neste país. Com efeito, ela é um exercício comum, necessário e urgente para levar o nosso duro dia-a-dia e lutar por mais dignidade, por uma terra próspera e um futuro melhor.

E falar sobre política no Brasil há alguns poucos anos atrás era completamente prazeroso, e principalmente, possível conversar sobre política sem ofensas e sem agressões físicas. Não havia guerras sem fim entre as pessoas. Um tópico de conversa mais controverso era visto no passado como algo interessante, verdadeiramente proveitoso, um sinal claro de que teríamos mais longas horas de convivência e diversão, quando nas rodas de conversa nas calçadas, nos cafés, bares, ou sentados à mesa ou no sofá em casa.

É claro que, para algumas famílias ou grupos de amigos, a coisa podia aquecer mais do que o normal e descambar, mas, no geral, quase ninguém ficava dias, semanas, meses e anos, completamente intrigado com os seus, nutrindo ódio mortal aos seus amigos, irmãos, mães e pais como agora. Ninguém se esbofeteava, quebrava bares, vandalizava prédios públicos ou se matava por política. Isso sempre existiu, mas nada quase unânime e brutal como nos dias atuais.

O sentimento mais normal era o fato de que, se tínhamos à mesa alguém mais controverso, ou que pensasse de modo diferente, ou que fosse mais questionador ou mesmo um tanto polêmico, isso dava-nos aquela sensação de vivermos um momento mais instigante, talvez mais divertido para muitos, com a certeza tranquila de que ficaríamos ali mais tempo juntos, à mesa com os outros, apenas dedicados àquela dose normal de adrenalina, no argumentar e contra-argumentar, na graça do debate (outros preferiam somente ouvir e ali ficavam como plateia), mas tudo sem grande pressão ou desavenças abruptas.

O que se vê hoje no Brasil são almoços e jantares quase impossíveis entre famílias e entre grupos de amigos, uma convivência familiar completamente destruída porque a ação natural do debate político como fazíamos antes por horas e horas a fio, o simples conversar e replicar, o prazer que o brasileiro tem de discutir alguma ideia ou alguma situação política ao seu redor, tudo isso se tornou insustentável, porque as pessoas estão dominadas pelo medo e pelo ódio, desde que o populismo disseminou o seu modo de pensar: respostas simplistas para problemas sociais complexos. A tristeza tomou conta das famílias brasileiras, que estão hoje magoadas, divididas, polarizadas, pressionadas ao silêncio, por causa de suas ideias e posições políticas levadas aos extremos.

Sabemos que esse contexto é mundial também. Há muitos outros países que passam por isso, mas no Brasil, uma terra em que o debate político sempre foi algo vital para as pessoas, num ambiente de democracia há muito conquistado, sem que tivéssemos tragédias a cada esquina e a qualquer hora por isso, conversar livremente sobre tudo e sobre qualquer coisa como antes é algo agora praticamente improvável e até aconselhado a não se fazer.

Neste momento, há pais e mães, irmãos, amigos aflitos que repetem todos os dias: "Por favor, vamos evitar discutir política quando estivermos à mesa ou quando juntos em qualquer outra situação", mas a proposta embora acatada inicialmente torna-se pouco a pouco insustentável. Isso porque quando o brasileiro fala de e sobre qualquer coisa, que parece banal ou comum de sua rotina, normalmente isso vai terminar em política, porque é natural que assim seja: a inflação, os preços altos das coisas, as dificuldades no seu emprego, a escola dos filhos, o péssimo atendimento da saúde, a má qualidade dos transportes e das estradas, o lixo nas ruas, as enchentes ou a falta de chuvas, a falta de segurança pública nas cidades, etc. etc.

Então, pensamos: O que vamos fazer agora?! Como vamos conviver uns com os outros se amamos a política como parte vital de nossas vidas, entre famílias e entre amigos; como vamos fazer isso se já não podemos falar, agir livremente, conforme nossos pensamentos e ideias, sem odiarmos uns aos outros apenas por termos pontos de vista diferentes? E afinal, como vamos ajudar a recuperar este país, se nada mudarmos perante este mal que se instalou entre nós?

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