Eutanásia — uma “escolha” imposta

Como pode alguém optar entre a morte ou o acesso a cuidados que aliviam o sofrimento, a dor, se apenas tiver acesso a uma delas? Será uma escolha ou a imposição de uma das soluções?

Ao longo destes últimos anos, temo-nos deparado com inúmeras explicações e opiniões de quem acredita (ou não) que a eutanásia é uma escolha a que todos os cidadãos devem ter direito, caso se encontrem numa situação de doença avançada e com grande sofrimento. Mas todo este debate está inquinado. Explico porquê.

Antes de mais, espanta-me sempre que se presuma que existe, de facto, uma possibilidade de escolha. Como se, de facto, os doentes se encontrassem perante dois caminhos possíveis e estivessem na posse — num cenário em que a eutanásia estivesse legalmente consagrada — de escolher aquele que consideram ser o melhor para si. Explico-me: os defensores da eutanásia como uma "escolha" esquecem-se de que, para os doentes numa situação grave e incurável, a morte pode ser, simplesmente, a sua única escolha.

Não podemos, com toda a certeza, argumentar que o debate sobre a eutanásia não está, por si só, enviesado. Não se trata de uma escolha quando, ainda hoje, a cobertura de cuidados paliativos no nosso país é manifestamente insuficiente — esses cuidados não chegam, nem de perto, a todo o lado, não chegam a todos.

Como pode alguém optar por uma de duas saídas — a morte ou o acesso a cuidados que aliviam o sofrimento, a dor — se apenas tiver acesso a uma delas? Será uma escolha? Ou aquilo que estaremos a promover é a imposição de uma das soluções?

Parece-me óbvio que ninguém quer sofrer com sintomas físicos ou psicológicos relacionados com uma doença grave incurável e avançada. Mas também me parece óbvio que, se os cuidados paliativos chegassem a todos, a escolha seria muito mais equilibrada e não enviesada.

Existe desigualdade no acesso aos cuidados paliativos quando a cobertura de cuidados paliativos em casa, por exemplo, é manifestamente insuficiente. Durante este período que passamos de pandemia, as equipas que garantem estes cuidados tentaram, elas próprias, sobreviver aos cortes de pessoal, sendo que em várias equipas o número de profissionais é cronicamente insuficiente para a população que abarca.

O investimento e os nossos esforços deveriam estar, sim, dedicados a alargar os cuidados paliativos a todos, seja em casa ou nos diversos hospitais. As equipas intra-hospitalares necessitam, também elas, de investimento em recursos humanos e não apenas de umas horas "garantidas" pela boa vontade dos profissionais envolvidos.

Todas estas premissas, não estando reunidas, conferem a este cenário uma visão estreita da doença avançada, a que se junta a falta de respostas sociais.

Os cuidados paliativos deveriam poder chegar a todas as casas, independentemente do local geográfico de Portugal. Mas, como todos sabemos, não é isto que acontece.

Alguns parecem não saber este facto — ou, então, optam por ignorá-lo.

Os cuidados paliativos permitem, efectivamente, aliviar os sintomas e aumentar a qualidade de vida. É nisto que deveríamos estar focados.

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