Coesão territorial, uma digressão pela baixa densidade

Como é que um país com estas características permitiu que o contributo do interior para a riqueza nacional fosse tão baixo e desigual?

O meu ponto de partida é relativamente fácil de entender. Devido à pequena dimensão do nosso mercado interno é o grau de internacionalização da economia portuguesa que determinará a taxa de crescimento do produto efetivo e potencial. Esta taxa de crescimento depende, em linha direta, da procura externa e de uma relação consistente entre produtividade e competitividade. Se este crescimento for reduzido, abaixo de 2% em termos reais, haverá uma tensão permanente entre coesão e competitividade e, se esta tensão persistir, a relação entre produtividade de curto prazo (produto efetivo) e produtividade de médio e longo prazo (sustentabilidade e produto potencial) pode estar em causa.

Além disso, não podemos esquecer que os empreendedores são indivíduos racionais nas suas escolhas que reagem racionalmente aos estímulos públicos e privados disponíveis, em termos de custo e rendimento efetivo e potencial. Se há territórios de baixa densidade isso quer dizer que a relação custo-benefício desses territórios não é, em princípio, favorável à fixação de pessoas e atividades, pelo menos de acordo com aquilo que são as expectativas e as preferências do potencial investidor. Quanto mais um país ou uma região se abre ao exterior maior é o número de concorrentes competitivos e, portanto, mais alto é o custo de oportunidade do investimento, o mesmo é dizer, sobe o risco de uma região menos competitiva ficar sem atividades e sem pessoas.

Estamos no final de 2022, o desafio é enorme perante a realização simultânea do PT 2020 (o que resta executar), do PRR 2026 e do PT 2030, para lá dos programas europeus. Ao mesmo tempo que procuramos recuperar de uma crise profunda, é-nos exigido que descarbonizemos a economia, mudemos o padrão energético e alimentar, façamos a transformação digital nas empresas, serviços e mercados de trabalho, enquanto acolhemos mais trabalhadores migrantes e lutamos contra o abandono de territórios mais vulneráveis. Recuperar, estabilizar e transformar o modelo de administração das políticas públicas será decisivo, mas importa, também, respeitar a restrição macroeconómica de uma pequena economia aberta expressa pelo trade off entre produtividade, competitividade e coesão. Ora, é no interior deste trade off muito problemático que vamos fazer uma digressão pelos territórios de baixa densidade.

A baixa densidade (BD) pertence àquele complexo de conceitos difusos e ambíguos que são, digamos, convenientes para muita gente. Sabemos que a baixa densidade é quase sempre um problema estrutural de longa data que a política local, por si mesma, terá dificuldades em resolver. O problema existe ou emerge porque, à superfície, explode uma situação-limite considerada intolerável, um conflito de interesses mal resolvido, um silêncio ensurdecedor por parte de uma coligação de interesses para quem a BD é muito conveniente ou, finalmente, porque pode funcionar como um recurso argumentativo e retórico para explorar durante um período negocial. Agora que foi aprovado o PT 2030 eis algumas dúvidas sobre o assunto:

- O conceito de BD parece ser, em primeira análise, um conceito de conveniência, como são outros (desenvolvimento endógeno, interioridade, insularidade, policentrismo, sustentabilidade) que servem de instrumento de negociação para obter vantagens específicas de oportunidade;

- Os territórios de baixa densidade estão, de algum modo, reféns do jogo dos interesses e respetivas coligações que dominam o universo regional, sub-regional, intermunicipal e municipal, e que procuram legitimidade quanto baste para justificar a despesa pública não-transacionável correspondente a cada um desses níveis;

- Existe um silêncio ensurdecedor em discutir abertamente qual é o modelo de desenvolvimento que interessa à região como um todo porque, aparentemente, ninguém quer saber verdadeiramente o que é a região como um todo;

- Há uma diferença abissal entre a retórica e o consenso mole em redor da estratégia, da inovação, da sustentabilidade, da prospetiva e dos cenários, por um lado, e o realismo puro e duro do quotidiano dos negócios correntes quase sempre envolvidos em pequenas redes clientelares e cumplicidade político-partidária;

- Dada a larguíssima proporção de micro e pequenas empresas, a sua baixa capitalização e interesse em fusões, concentrações e consórcios, já para não falar do labirinto legislativo e regulamentar destas operações, não surpreenderá que, mais uma vez e perante a expetativa de uma recessão em 2023, todos os atores locais e regionais adotem doravante uma posição cautelosa na forma de abordar os seus investimentos;

- Sem uma forte inovação estratégica e operacional ao nível da região NUTS II, como centro de racionalidade de políticas públicas e central de operações, que tenha expressão territorial efetiva aos níveis inferiores, NUTS III e intermunicipal, corremos o sério risco de assistir a uma verdadeira cacofonia territorial no próximo período de programação;

- Finalmente, mais do que discutir a problemática dos territórios de baixa densidade, cada região deve discutir se quer manter o modelo atual de coesão, difuso, disperso e de baixo retorno, baseado em bens não-transacionáveis (BNT) locais, sub-regionais e regionais que estão próximos do esgotamento ou se quer iniciar, desde já, um novo ciclo recentrado sobre os principais centros urbanos, com uma relação totalmente descomplexada face ao mundo rural e aos recursos do território, e exigindo, do mesmo passo, que se altere a estrutura do governo e administração do território, modificando a escala das intervenções e recentrando-as no nível e no plano regional e sub-regional;

Notas finais

No caso de Portugal, um país com 200km de largura, excelentes rodovias, instituições de ensino superior em todas as capitais de distrito, uma grande variedade de microclimas, com acesso nos últimos 36 anos a meios financeiros em abundância, a mesma cobertura autárquica há cerca de 150 anos, uma larguíssima gama de associações empresariais e de desenvolvimento local, como é que um país com estas características permitiu que o contributo do interior para a riqueza nacional fosse tão baixo e desigual?

Não queremos que o litoral sirva de referência ao interior, mas, dada a pequena distância que os separa, parece-nos fundamental fixar as interligações e conexões que eles podem estabelecer entre si. Bastaria lembrar a nova matriz energética renovável de cada região, as infraestruturas ecológicas e os serviços de ecossistema de apoio ao sistema agroalimentar local e regional, as instituições de ensino superior como plataformas dos ecossistemas para jovens talentos e empresários, as redes regionais de assistência técnica empresarial e formação de ativos, entre outros investimentos estruturantes fundamentais para a baixa densidade.

Nesta linha de pensamento o Programa Operacional Regional (POR) é o quadro de referência mais apropriado para a agenda de investimento e desenvolvimento territorial no horizonte 2030, sob pena de os diversos incentivos se transformarem numa manta de retalhos de despesa pública e privada, de reduzida eficácia e baixo retorno e sem uma coerência e consistência duradouras.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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