Suspeitas de corrupção: Cravinho diz que fez o “que devia” mas não convence oposição

O ex-ministro da Defesa considera que foi a sua actuação que permitiu que “esta matéria esteja a ser investigada nas instâncias próprias”. Oposição fala em “desresponsabilização” do Governo.

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João Gomes Cravinho é actualmente ministro dos Negócios Estrangeiros e foi ministro da Defesa na anterior legislatura EPA/ANDREJ CUKIC

O ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, garantiu esta terça-feira no Parlamento, referindo-se às suspeitas de corrupção no Ministério da Defesa, que fez "exactamente aquilo que devia fazer" quando estava à frente da pasta, tendo agido "em conformidade com a informação" de que dispunha na altura.

"Enquanto estive no Ministério da Defesa Nacional fiz o que se exige a quem tem responsabilidades públicas a cada momento com o máximo de responsabilidade possível", assegurou no debate de urgência pedido pelo Chega. "Se estamos hoje com esta matéria a ser investigada nas instâncias próprias é exactamente porque aquilo que fiz foi agir em conformidade com a informação que tínhamos no respeito pela lei e pelo bom nome da Defesa Nacional", afirmou.

A 6 de Dezembro, a Polícia Judiciária deteve cinco pessoas no âmbito de uma operação relacionada com adjudicações efectuadas pela Direcção-Geral de Recursos da Defesa Nacional a empresas privadas para a realização de obras quando João Gomes Cravinho, actual ministro dos Negócios Estrangeiros, era ministro da Defesa.

Entre os detidos contam-se Alberto Coelho, ex-director-geral desta entidade — que foi posteriormente nomeado por Gomes Cravinho para presidente da Empordef, embora já fossem conhecidas as suspeitas —, Francisco Marques, ex-director dos Serviços de Infra-estruturas e Património e actual coordenador do Ministério da Defesa, Paulo Branco, ex-director dos Serviços Financeiros, e dois empresários.

Ministro acusa Chega de aproveitamento político

Na sua intervenção inicial, o líder do Chega, André Ventura, acusou Gomes Cravinho de ter causado um “desprestígio enorme” nas Forças Armadas por ter mantido uma “confiança inabalável” em Alberto Coelho, tendo afirmado que era impossível o ministro “desconhecer” o “circuito” e o “esquema” montados naquela entidade. “É um caso de como o poder se protege a ele próprio”, declarou.

Em resposta, João Gomes Cravinho lamentou que o Chega se esteja a "aproveitar politicamente de um processo judicial que procede e procedeu de forma escorreita" e fez uma descrição dos eventos desde 2020 para "esclarecer a fita do tempo".

De acordo com o governante, os factos remontam a 19 de Março de 2020, quando deu instruções para se realizarem obras de reconversão do antigo Hospital Militar de Belém num centro covid-19 cujo custo se previa que rondasse os 900 mil euros (com IVA). Entre Junho e Julho de 2020, o então secretário de Estado Adjunto e da Defesa, José Seguro Sanches, "procurou no âmbito das suas funções, receber informações sobre os custos e os procedimentos" desta obra, prosseguiu. Quando a 22 de Julho o secretário de Estado enviou um despacho com esta informação ao ministro, Gomes Cravinho terá determinado que o documento fosse enviado para a Inspecção-Geral de Defesa Nacional (IGDN) no dia seguinte.

Ainda segundo o actual ministro dos Negócios Estrangeiros, a IGDN identificou "inconformidades legais" e propôs que a sua auditoria fosse enviada ao Tribunal de Contas (TdC) e que, "face à falta de competência decisória do director-geral", Gomes Cravinho elaborasse um "despacho de delegação de competências" para autorizar retroactivamente a despesa com o dito centro que ascendeu aos 3 milhões de euros.

Em relação à primeira sugestão, Gomes Cravinho assegura que agiu "em conformidade", quando à segunda refere que preferiu "aguardar a análise do TdC" por "entender que careciam respostas".

Tendo em conta "as dúvidas existentes", o ex-ministro da Defesa apontou ainda que fechou um "ciclo de 19 anos" de Alberto Coelho como director-geral dos Recursos da Defesa ao não reconduzi-lo no cargo. Mas sublinhou que, "tendo em conta a experiência e o conhecimento acumulado" deste alto funcionário da Defesa e por não existir "nessa altura qualquer suspeita dolosa", considerou a sua nomeação para o conselho de administração da Empordef como "adequada".

Em Julho de 2021, Gomes Cravinho terá ainda pedido à IGDN que fizesse uma nova avaliação devido às "notícias de suspeitas graves" que surgiram na comunicação social, cujo resultado "não apontava para responsabilidades criminais", mas que foi, ainda assim, enviado para o Ministério Público a 16 de Agosto de 2021.

"Resumindo: em cada momento, com a informação que tinha, fiz exactamente aquilo que devia fazer", afirmou, assegurando que foi sempre "proactivo".

O ex-secretário de Estado Adjunto e da Defesa, Jorge Seguro Sanches, actualmente deputado do PS, apoiou as declarações de Gomes Cravinho ao afirmar que foi graças à sua "acção concertada" com o ex-ministro da Defesa que esta questão foi "discutida" e considerou que André Ventura divulgou "factos errados".

Oposição fala em cultura de "desresponsabilização" no Governo

Do lado da oposição, os partidos consideraram que as declarações de Gomes Cravinho não foram suficientes para “dissipar a neblina” em que a Defesa está envolta, como apontou Jorge Paulo de Oliveira do PSD, e criticaram a “cultura" e o "padrão comportamental" de "desresponsabilização” do Governo e do PS.

Os deputados reiteraram ainda as críticas já feitas ao ministro por ter tentado “esconder” o relatório da auditoria da IGDN ao classificá-lo como “confidencial” e ao demorar seis meses a enviar esse relatório para a Procuradoria-Geral da República, bem como por ter “desvalorizado” as derrapagens nas empreitadas e ter nomeado Alberto Coelho para a Empordef.

Patrícia Gilvaz da Iniciativa Liberal atirou-se também à actual ministra da Defesa, Helena Carreiras, porque após serem conhecidas as suspeitas sobre Alberto Coelho, quando era presidente do Instituto de Defesa Nacional, “recebeu” o mesmo num curso de pós-graduação desta entidade.

Joana Mortágua do BE considerou ainda que este caso “não se trata de uma bolha mediática” e que o primeiro-ministro “tem de responder” sobre esta matéria.

Francisco César do PS, por outro lado, sustentou que "não está em causa um caso de corrupção que envolva o Governo” que, garante, "não foi conivente”, antes teve uma acção “diligente”.

Texto actualizado com mais declarações e novo título

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