A COP15 e o que se pode fazer pela biodiversidade em Portugal e no Mundo

A conservação da natureza não chega. Renaturalizar, eleva o debate – em vez de travar declínios, procura promover abundâncias, e em vez de uma narrativa de perda, oferece uma narrativa de esperança.

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Adriano Miranda

O que é biodiversidade? É a riqueza de vida na terra, a grande diversidade de vida que existe no planeta, desde pequenos micro-organismos a grandes árvores, dos fungos aos animais. A COP15, em Montreal no Canadá, é a 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre a Diversidade Biológica das Nações Unidas. Neste evento, juntam-se as nações do mundo para decidir como reverter a actual tendência de declínio da biodiversidade a nível global, e uma das propostas defendida por algumas partes é a de reservar 30% do planeta para a natureza.

Seja no mar ou em terra, pretende-se assim preservar a biodiversidade existente no planeta, sendo que alguns consideram que se deveria ir ainda mais longe, como o proeminente biólogo americano E. O. Wilson, que sugeriu que 50% do planeta fosse dedicado para a conservação da natureza. Acordando na generalidade com a proposta, importa acima de tudo saber como passar à prática, ou seja, como é que isso se faz.

A proposta da abordagem rewilding é uma mudança de paradigma que nos permita confiar na capacidade de regeneração da natureza. Esta abordagem propõe que o ser humano promova a renaturalização de vastas áreas de território, assegurando a funcionalidade dos processos naturais, e a presença de mais biodiversidade e maior abundância de vida selvagem. Em conjunto com a promoção de uma economia mais baseada na natureza e menos extrativa, criando soluções que beneficiem tanto as pessoas como o planeta.

A perda de biodiversidade é uma de várias barreiras planetárias da Terra que está a ser ultrapassada, como são as alterações climáticas, as mudanças no uso do solo, o ciclo de nutrientes ou a poluição por químicos e plástico. A atmosfera está a ser afectada pela atividade humana, alterada com aumento de carbono provocando alterações climáticas e contribuindo para a perda de biodiversidade. A biodiversidade é o link que absorve os choques, os ecossistemas que sustentam a vida na terra, regulam o clima, o ciclo de nutrientes, absorvem químicos e reciclam poluição.

No entanto, hoje em dia os nossos ecossistemas encontram-se simplificados e enfraquecidos porque do ponto de vista da biodiversidade, há mais animais domésticos que selvagens no planeta terra (sendo que a nível de biomassa 96% corresponde a seres humanos e mamíferos doméstico, e 4% a mamíferos selvagens) e mais campos agrícolas que habitats naturais (3/4 do planeta já foi alterado pelo ser humano, 1/4 permanece relativamente inalterado).

Dada a situação de emergência atual, a conservação da natureza torna-se insuficiente, uma vez que a necessidade principal neste momento é renaturalizar áreas degradadas pela ação humana para tornar os ecossistemas mais completos e resilientes e diminuir o impacto das actividades humanas no planeta. É preciso repensar a palavra “conservar”, em Portugal, na Europa e noutras regiões do mundo. Conservar o que resta dos ecossistemas já não chega uma vez que mesmo áreas consideradas como “protegidas” estão muitas vezes degradadas, com ecossistemas incompletos e não funcionais.

Algo que dificulta a compreensão do problema atual é conhecido como Shifting Baseline Syndrom, em português, síndrome de amnésia ambiental, que descreve “uma mudança gradual nas normas aceites para a condição do mundo natural, devido à falta de experiência, memória e/ou conhecimento do passado, o ser humano tende a ver o estado estático da natureza da sua infância como o normal”. Por outras palavras, aquilo com que crescemos parece-nos o “normal”, apesar de ser já um planeta em avançado estádio de degradação ambiental.

Em Portugal é possível vislumbrar esse passado que não conhecemos ao visitar as gravuras a céu aberto de vida selvagem no Côa, os registos fósseis com alguns milhares de anos de Norte a Sul do país, ou ler as crónicas romanas e medievais, que nos revelam uma Ibéria riquíssima em vida selvagem. Do registo do passado e o conhecimento do presente surge uma visão nova de imaginar o futuro, e isso é o que se propõe o rewilding.

Rewilding, em português renaturalizar, eleva o debate – em vez de travar declínios, procura promover abundâncias, e em vez de uma narrativa de perda, oferece uma narrativa de esperança. É uma abordagem que olha para a paisagem, tirando inspiração do passado mas consciente do futuro e, imagina o que pode vir a ser.

Olhar para a Serra da Estrela e imaginar a floresta, imaginar os animais que podem existir na terra e as aves que podem voar no céu. Olhar para a Serra da Malcata e imaginar as interações entre plantas e animais, cabras montesas a comer medronhos e castanhas bravas. Olhar para os rios e imaginar as migrações de peixes, as margens com nenúfares e o pulsar do rio ao ritmo das estações. Olhar para as praias e ver as aves que podiam nidificar na praia, as focas que podiam descansar ao sol, as tartarugas marinhas que podiam voltar por os ovos na areia, os peixes e algas que podiam existir no mar. Dar espaço e tempo à natureza para recuperar e prosperar.

Renaturalizar a biodiversidade em Portugal significa, aproveitar o abandono da atividade agrícola em terras marginais e criar verdadeiras áreas protegidas a fervilhar de vida, tirar os “parques no papel”, criar corredores ecológicos das Serras do Algarve às Serras de Montesinho, conectando as áreas protegidas e classificadas que a dia de hoje se encontram isoladas. O rewilding propõe que haja uma grande diversidade e abundância de vida selvagem, com a presença de espécies como os castores, cabras montesas, muflões, gamos, veados, ursos, tartarugas terrestes, linces, coelhos, lobos, salmões e trutas. Trata-se de trazer a natureza de volta promovendo uma coexistência positiva e inclusão das pessoas como parte integral da natureza, e portanto ter uma visão de futuro que seja benéfica para a sociedade e a natureza.

Se pretendemos mudar a trajetória de declínio da biodiversidade que está a ser discutida no Canadá, pelos altos representantes das mais bem-intencionadas nações, a dificuldade permanece em passar das declarações à prática, e em Portugal ainda mais, sendo que a nível nacional poderíamos fazer muito mais mudando as políticas de ambiente para implementar uma visão mais ambiciosa e de longo-prazo para o futuro.

Preservar a biodiversidade não só porque pode ser útil para nós de inúmeras maneiras e feitios, ou porque é incrível e uma fonte inesgotável de inspiração e maravilha, mas, acima de tudo porque se trata duma obrigação existencial, de deixarmos um mundo melhor para as gerações que nos seguirão.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.

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