Na Roménia, com amor

Podemos sempre discutir se é possível crescer mais e com mais rapidez. Mas é desonesto não aceitar que Portugal nunca convergiu tanto com a UE, e em tantos anos seguidos.

Há poucas semanas voltei à Roménia para participar numa missão em representação da Assembleia da República. Tinha estado em Bucareste há cerca de 16 anos, noutro contexto e no quadro de uma missão empresarial. As perceções gerais foram mais ou menos as mesmas: um país com potencial, bem posicionado geograficamente, mas com grandes problemas por resolver em vários níveis do desenvolvimento humano.

Perante a euforia dos protagonistas da direita no último dia da discussão do OE2023, todos eles à boleia do trabalho de um semanário nacional, e com mais ou menos berraria ou mais ou menos espalhafato, quiseram fazer crer que, em 2024, a Roménia pode ser um país melhor para viver do que Portugal. Este debate sobre o crescimento económico mais acelerado dos chamados países de leste, tem sido a boia de salvação da oposição de direita para responder à convergência sistemática de Portugal face à Europa, desde que o Governo do PS assumiu funções.

No geral, há muitos argumentos que concorrem para a diferença de ritmo no crescimento de alguns desses países face a Portugal, mas em nenhum desses casos esses factos são de responsabilidade direta de opções políticas do atual Governo: melhores qualificações, menos peso da dívida (menos de metade de Portugal – oferecendo mais margem de manobra) e mais capacidade de promover mais investimento público são consequências de opções do país ao longo dos anos e isentam a atual governação de responsabilidade diretas. É claro que podemos sempre discutir se é possível crescer mais e com mais rapidez. Mas é desonesto não aceitar que Portugal nunca convergiu tanto com a UE, e em tantos anos seguidos.

Mas voltemos à Roménia e à agitação mirabolante da direita que, do púlpito da Assembleia da República, citou o título do semanário já referido, com voz grossa e dedo em riste, mas sem sair do título ou mesmo da frieza do semanário. Não me vou alongar na explicação direta que o semanário invoca em que o PIB per capita romeno acelera porque a população cai: é pura matemática, e nada tem a ver com estratégia. Mas, em casa, milhares de portugueses podem ter aceite como definitivamente verdadeira a ideia que a Roménia, ao poder ultrapassar Portugal em termos de PIB, oferece aos seus cidadãos um ecossistema social bem mais atrativo do que Portugal. Enfim, não quero influenciar nenhum português, mas não hesito em complementar as afirmações encharcadas de certezas dos tais protagonistas da direita.

Vejamos comparações para que os portugueses decidam. O índice de corrupção na Roménia é bastante mais elevado que em Portugal, colocando aquele país na 66.ª posição contra, o 32.º lugar de Portugal; o risco de pobreza é de 22,6% e, em Portugal, é de 18,4%; o ranking da diferença de género coloca Portugal em 29.º lugar e a Roménia em 90.º; a esperança de vida no nosso país ultrapassa os 81 anos, na Roménia aproxima-se dos 73 anos; o Índice do Desenvolvimento Humano em Portugal é de 0,864, contra 0,828 da Roménia.

Em termos de rendimentos, também vale a pena comparar: o salário mínimo português é de 705 euros, contra os 513 euros que auferem os romenos; o salário médio anual em Portugal é sensivelmente o dobro do salário médio da Roménia. Em termos de competitividade, o nosso país ocupou em 2019 o 34.º lugar, contra o 51.º da Roménia; em termos de inovação, Portugal está em 32.º no ranking, contra o 49.º lugar daquele país de leste; em termos de rating, todas as empresas de notação financeira dão melhor classificação a Portugal.

É claro que o crescimento económico é um dos aspetos críticos para assegurar que estes indicadores possam ser melhorados, mas o desenvolvimento económico das nações não se esgota na análise do PIB e nenhum dos partidos da direita soube verbalizar uma única proposta de mudança estrutural da economia portuguesa que dê garantias que, dessa forma, o crescimento económico em Portugal seria mais acelerado. Escrevo isto com tremenda desilusão, porque não se compara uma estratégia, a do Governo, com o que não existe, da oposição de direita.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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