Espanha anda iludida por sentimento de posse há três Mundiais

Da decepção do Brasil 2014, à maldição dos penáltis nos oitavos-de-final na Rússia e no Qatar... A realidade de um campeão do mundo incapaz de confirmar o estatuto de favorito.

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Luis Enrique lamentou a eliminação frente a Marrocos Reuters/PEDRO NUNES

Espanha, um dos principais favoritos à conquista do Qatar 2022, está de volta a Madrid, onde aterrou "prematuramente" após falhar de forma quase inexplicável o que parecia ser mais um encontro inadiável com Portugal na discussão por um lugar nas meias-finais do Mundial.

Luis Enrique lamentou, no Twitter oficial, não ter "sido possível". "Tentámos mas não foi suficiente. Lamentamos por não termos dado uma alegria... é assim o futebol e a vida... é levantar" a cabeça, escreveu, ilustrando a decepção com uma selfie que regista o momento no interior do autocarro da equipa.

O seleccionador espanhol era a imagem da desilusão colectiva de um país que esperava algo bem maior deste Mundial, embora no Twitter surja em destaque uma frase que se aplica na perfeição ao momento da selecção, e que o próprio treinador tem profundamente gravada na alma, depois do drama familiar que o levou a abandonar o comando técnico da selecção em 2019.

"Chorava porque não tinha sapatos até que vi um homem que não tinha pés". Esta podia, muito bem, ser a mensagem a interiorizar pelos milhões de espanhóis que choraram uma eliminação demasiado abrupta para as ambições "legítimas", embora a realidade teime em contrariar esta percepção.

A verdade é que o drama dos penáltis frente a Marrocos ditou nova saída de cena da "Roja" à porta dos quartos-de-final, onde o país vizinho não entra há 12 anos, depois da última festa - à custa da eliminação de Portugal, de Carlos Queiroz - nos “oitavos”, na campanha vitoriosa do África do Sul 2010, torneio em que foi pela primeira e única vez campeã do mundo.

Desde então, Europeus à parte, Espanha perdeu força e expressão. Uma tendência iniciada no Brasil, em 2014, quando no primeiro encontro, uma reedição da final sul-africana, sofreu a pior derrota de um campeão do mundo em exercício, ao perder por 1-5 com a selecção dos Países Baixos.

Da goleada ao deserto

Desta feita, a equipa de Luis Enrique até iniciou de pé a fundo a aventura do Qatar, goleando a Costa Rica por 7-0, na ainda maior goleada da competição. Infelizmente para os espanhóis, desde então foi sempre a cair. Como dizem em Espanha, de mais a menos... até ao deserto total.

Um deserto de golos a confirmar, no essencial, que o incomparável jogo de posse de Luis Enrique tanto pode guindar ao topo como redundar numa mão-cheia de nada. O empate com a Alemanha, no segundo compromisso espanhol do Grupo E - em que a "Mannschaft" arriscava um regresso automático a casa - levantava um véu que o Japão haveria de arrancar despudoradamente, reclamando a liderança aos espanhóis.

Um mal que viria, poderia pensar-se no plano teórico, por bem, apesar do desconforto causado pelo segundo lugar, mesmo que se tratasse do grupo da morte, ao qual os alemães nem sequer sobreviveram. Um segundo lugar que evitava o cruzamento com a vice-campeã mundial, Croácia, surpreendentemente suplantada por Marrocos, única equipa que vergou a favorita Bélgica.

Só que nesta troca de pares, a Espanha acabou por confirmar a tal tendência que só poderá desmentir no próximo Campeonato do Mundo, em 2026.

No Brasil 2014, ainda abalada pela entrada em falso com os neerlandeses, a Espanha confirmou o adeus ainda na fase de grupos, após novo desaire frente ao Chile.

A redenção ficava agendada para a Rússia, onde até esteve na iminência de perder frente a... Marrocos, no último jogo da fase de grupos, empatando (2-2) no período de compensação. Acompanhada por Portugal, Espanha seguiu em frente para cair nos penáltis, frente à anfitriã Rússia, depois de Koke e Aspas terem "atribuído" a Akinfeev o título de herói da eliminatória.

Os penáltis começavam a tornar-se num caso sério, cenário confirmado no Europeu, onde Morata (depois de Olmo) passou de herói a vilão ao falhar a cobrança que colocou a Itália na final e no trilho do título de campeã.

Agora, ainda em choque, a Espanha chora enquanto procura apurar responsabilidades. Em Barajas, no parque de estacionamento do aeroporto, algumas das carrinhas reservadas para transportar a comitiva ficaram vazias já que 12 dos 26 convocados optaram por viajar separados.

Ainda sem uma posição oficial relativamente ao futuro de Luis Enrique, que termina contrato no fim do Mundial, o líder da federação espanhola (RFEF), Luis Rubiales, enfrenta um processo na justiça espanhola, fruto de uma investigação relacionada com a gestão do organismo a que preside, espoletada pela divulgação de comissões milionárias cobradas por Gerard Piqué pela transferência da Supertaça de Espanha para a Arábia Saudita.

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