Requiem para o Reino Unido

Os professores também à procura de leite, manteiga, ovos, fruta, quando a manteiga está a 2,5 libras no supermercado. Fui às compras e há uma semana que não há uma banana para amostra.

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Reuters/MAJA SMIEJKOWSKA

Lamento informar mas quando uma criança falta às aulas tal significa o sobrar de uma refeição ao fim do dia. E quantas mais crianças faltarem, seja por doença ou foro pessoal, mais refeições sobram.

O resultado é esta fila indiana, diária e regular de alunos à porta da cantina de sacos na mão (quanto têm sacos) e olhos esbugalhados à espera de levar para casa aquela que será a única refeição da mãe e dos irmãos.

Expectantes, aqueles pequenos braços estendidos perguntam sempre se há mais, e há entre fruta, bolachas, açúcar, compota, manteiga. Tudo ajuda neste banco alimentar improvisado mas bem presente e para o qual os donativos são sempre bem-vindos.

A norma é agora a da gratuidade das refeições quando os pais apenas podem pagar o almoço uma vez por semana. Quando podem. Uma refeição custa 2 libras. Quando podem ligar o aquecimento, pago a moedas em contadores instalados à porta a atestar a pobreza para que todos vejam. A pobreza de um país inteiro.

Porque nem todas os agregados familiares têm contadores a moedas, só os mesmos de sempre, com a diferença de os mesmos serem cada vez mais. Pois não são só as crianças a fazer fila no fim do dia à procura das sobras mas professores também. Para muitos é a garantia de um almoço, um acrescento quando o jantar é a única refeição de um dia inteiro.

Os professores também à procura de leite, manteiga, ovos, fruta, quando a manteiga está a 2,5 libras no supermercado (custava 1 libra). Fui às compras e há uma semana que não há uma banana para amostra (a 0,79 libras o quilo, é a fruta mais em conta) e as uvas estão a 5 libras por quilo, só para citar alguns exemplos.

Quanto a comprar um bife, conto pelos dedos quem se pode dar ao luxo de pagar 8 libras por 400 gramas de carne. Custava 3 libras. Tendo uma parceria com o banco alimentar de Wimbledon, cabe a este que vos escreve preencher semanalmente todos os cupões necessários, imediatamente enviados por carta para os pais.

Infelizmente esta ajuda é o mesmo que nada, pois as necessidades das crianças são as necessidades dos pais mais a sua incapacidade para toda e qualquer burocracia, literacia, numeracia e por aí adiante, ficando os cupões por levantar e as barrigas vazias à volta da mesa se não fosse a cantina da escola.

Muitas são as vezes em que são os professores a entregar os cupões em casa e em mão. Muitas são as vezes em que os professores levantam eles mesmos os cupões e entregam os bens alimentares em casa.

E sim, a responsabilidade é dos professores, não vá uma criança adoecer ou pior. A isto posso juntar pelo menos três famílias desalojadas desde o início do ano escolar, todas agora em tectos emprestadas com cinco crianças por quarto, incluindo crianças a dormir no corredor, na sala e onde houver espaço para uma manta que seja no chão.

Com uma habitação social moribunda e cada vez mais famílias e restantes profissionais incapazes de pagar rendas de 1400 libras para cima e 300 libras para o resto do mês, não é de surpreender ter o Reino Unido mais de 14 milhões de pessoas abaixo do limiar da pobreza (1 em cada 5 habitantes) e onde encontramos quase 4 milhões de assalariados (1 em cada 8 trabalhadores). Isto num dos sete países mais ricos do mundo mas também o segundo mais desigual no clube dos ricos.

Já fizemos as contas: para aquecer uma casa, em média pagamos pelo menos 200 libras por mês. Há um ano, o custo dificilmente ultrapassaria as 80 libras num mês de inverno. Mas ainda não chegamos ao Inverno. E já está frio.

E rua sim, rua sim, os desalojados sem fim num Inverno sempre inclemente. Mas nas televisões toca o Mundial, o futebol engana a barriga e a seguir vem a interrupção natalícia. Só nós vemos crianças e professores por igual e esta fome urgente todos os dias. Só nós tememos as férias de Natal e ninguém para acudir quando todos precisam.

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