Preço dos pellets dispara e a lenha volta a ser a melhor opção

Nos últimos anos, os portugueses foram abandonando práticas ancestrais e modernizaram a sua relação com o fogo. Mas com os pellets cada vez mais caros, é a madeira que volta a aquecer as casas.

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A lenha voltou a aquecer as casas Fernando Veludo/NFACTOS

Nos gélidos invernos transmontanos, fitando os dias mais frios e excessivamente lentos, as antigas lareiras de pedra voltam, agora, a acender-se, tomando o lugar dos aparelhos a gás, electricidade, gasóleo ou pellets. Naquele interior de Portugal, onde o cheiro das lareiras que pairava no ar deixou de ser tão intenso, a inflação e o galopar do custo de vida não viu fronteiras. E a madeira voltou a crepitar.

Numa das regiões mais frias do país, as vozes calam-se ao anoitecer e o aconchego dos lares é o melhor destino, depois de um dia marcado por temperaturas negativas, que trazem consigo as geadas, os sincelos e os nevões. No entanto, com a inflação, este ano aquecer as casas vai ficar mais caro e o tal lar deixa de ser sinónimo de “aconchego”.

Com um aumento de 3% na factura mensal da electricidade, uma família com dois filhos, que tenha uma potência de 6,9 kVa e um consumo de 5 mil kWh por ano, vai sentir um aumento de 2,86 euros.

Em Trás-os-Montes, com a chegada do Inverno, torna-se urgente optar por outras soluções, porque a vulgar hipérbole “morrer de frio” pode muito bem tornar-se real.

Nos últimos anos, as salamandras a pellets tornaram-se na opção mais rentável para muitas famílias portuguesas aquecerem as casas. No entanto, segundo os últimos dados apurados, o preço dos pellets duplicou no último ano. Em média, no ano passado, um saco de 15 quilos de pellets tinha aproximadamente o valor de 3,50 euros. Actualmente cada saco pode chegar aos 10 euros, representando quase o triplo do valor no período homólogo.

Marco Parente é natural de Vila Real e, há cinco anos, optou por comprar uma salamandra a pellets por ser a “opção mais em conta”. “Além de ser mais barato acabava por ser também um aparelho mais limpo com um bom poder calorífico para a casa”.

“Em média comprava todos os Invernos cerca de 111 sacos de 15 kg. Nos primeiros anos conseguia comprar cada saco a 2,75 euros, mas, este ano, compro os mesmos sacos a nove euros”, explicou.

Com a fronteira espanhola a menos de uma hora de distância, Marco e muitos outros utilizadores de salamandras a pellets da região, começaram a fazer contas e encontraram no país vizinho os mesmos sacos a 7,50 euros. No entanto, apesar da diferença considerável de preços, garantem que “acaba por não compensar”.

O regresso da lenha

À semelhança de todas as outras alternativas, no que ao aquecimento diz respeito, a lenha também está mais cara. No entanto, como a subida parece não ter sido tão abrupta, muitos transmontanos estão a optar pelo velho sistema de aquecer a casa nas antigas lareiras ou recuperadores de calor.

“Com esta subida de preços terei que fazer um investimento maior e optar por uma bomba de calor ou por utilizar novamente a lenha”, rematou Marco Parente.

Face aos preços galopantes da energia e dos pellets, o mercado da lenha tem aquecido e para os vendedores desta matéria-prima “não há mãos a medir”.

Exemplo disso é a empresa Machado & Alves, em Pedras Salgadas, no distrito de Vila Real. A firma de comércio de lenhas, com oito funcionários a trabalhar a tempo inteiro, neste momento não tem lenha para entregar a todos os clientes, face à elevada procura pelo produto.

“Nesta altura há pouca lenha seca, porque o Estado não permitiu o abate e corte de árvores nos meses de Junho, Julho e Agosto, durante os períodos de risco máximo de incêndio. Como não conseguimos cortar para termos em stock, só conseguimos ter, neste momento, lenha verde. Mas mesmo verde os clientes acabam por comprar”, explicou Susana Olmos, proprietária da empresa transmontana.

Com clientes novos a chegarem todos os dias, Susana vai ouvindo as lamentações e percebendo que muitos dos novos compradores tinham antigamente aquecimento a lenha e, anos mais tarde, optaram pelos pellets “por serem mais práticos e económicos”. “Este ano desligaram as salamandras e voltaram a gastar a lenha. Estamos a voltar aos tempos antigos”.

Com uma procura tão elevada não é de estranhar, por isso, que também os preços da lenha tenham aumentado. Na empresa de Pedras Salgadas, os preços por tonelada não aumentavam há mais de 15 anos, mas, este ano, viram-se obrigados a aumentar, assim como os salários dos funcionários.

Contrariando o antigo ditado popular “em casa de ferreiro, espeto de pau”, Susana, a proprietária, também utiliza a própria lenha para aquecer a casa. “Gasto, em média, duas carrinhas de lenha por ano para aquecer a casa”, rematou.

Abate de árvores

No geral, tenham ou não sido utilizadoras do aquecimento a pellets, as pessoas, este ano, estão a procurar muito mais lenha, o que se traduz num aumento do abate de árvores por toda a região transmontana.

Em Alijó, também no distrito de Vila Real, a população tem demonstrado o seu desagrado face aos cortes de pinhais por todo o concelho. “É um atentado à paisagem”, dizem.

A norte daquele concelho transmontano, no conjunto total de fracções onde se realizaram os abates, a população aponta para um total de 40 hectares de pinhais privados cortados.

Ao contrário do que seria esperado, os proprietários não vendem as árvores por ser um negócio rentável, tendo em conta que, em média, recebem 20 euros por tonelada, mas sim por ser uma forma de limparem os terrenos, dado o receio “que venha um incêndio e leve tudo”.

Ao verem no abate dos pinhais uma forma mais eficaz de limparem as propriedades, no final, por onde passam as máquinas, só resta a caruma e os pés das árvores, deixando para trás um rasto de destruição. Enquanto isso, nas casas de cada um, o frio combate-se junto ao fogo. Como há séculos.

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