Oposição alemã chumba reforma-chave para a coligação de Scholz

O partido do chanceler queria um novo sistema de prestações sociais que substituísse o ainda hoje controverso Hartz IV. A CDU, na oposição, garante que não há “um bloqueio” e quer negociar.

Foto
O ministro do Trabalho discursando na sessão extraordinária do Bundesrat (Conselho Federal), que chumbou a lei de reforma dos apoios sociais CLEMENS BILAN/EPA

A oposição alemã chumbou esta segunda-feira, no Conselho Federal (Bundesrat), que representa os estados federados, uma grande reforma do sistema de prestações sociais que a coligação no Governo, liderada pelo Partido Social Democrata (SPD) tinha aprovado no Parlamento. A mudança do controverso sistema Hartz IV foi um elemento-chave na campanha eleitoral tanto do SPD, como dos Verdes nas últimas eleições.

Introduzido como parte das reformas da Agenda 2010 do antigo chanceler social-democrata Gerhard Schröder (a governar em coligação com os Verdes), vistas como uma espécie de exemplo da “terceira via” na Alemanha, o Hartz IV foi desenhado por Peter Hartz, que, enquanto director de recursos humanos da VW, negociara uma redução de salários para diminuir o desemprego na empresa. O Hartz IV é o subsídio para desempregados de longa duração que aumentou os incentivos para que estes trabalhassem e penalizações para quem não aceitasse empregos, bem como exigências mais apertadas de acesso (o conceito era, no fundo, dificultar a obtenção do subsídio de tal maneira, para que quem o recebia pusesse a hipótese de trabalhar).

Esta reforma foi elogiada por ter permitido à Alemanha reduzir drasticamente o desemprego, mas criticada por aumentar o número de empregos precários e mal pagos, que contribuíam pouco para as pensões de reforma. Foi um ponto de viragem na política alemã também, estando na origem do aumento da competição à esquerda, com a saída de Oskar Lafontaine do SPD e a criação do partido Die Linke (A Esquerda).

O SPD tem dito agora que, apesar de ter sido necessária, a reforma foi longe demais, e que não faz sentido hoje, numa altura de baixo desemprego. Assim, o Parlamento aprovou na quinta-feira passada a proposta do Governo para o “Bürgergeld”, que traduzido à letra quer dizer “dinheiro do cidadão”, numa tentativa de tirar o peso que o Hartz IV ganhou (os seus beneficiários sentem-se por vezes discriminados, a palavra deu também origem ao verbo “hartzen”, de não fazer nada, e a palavra foi ganhando uma conotação negativa).

A União Democrata Cristã (CDU, na oposição) diz que a mudança sugerida vai fazer com que haja menos incentivos para os desempregados de longa duração trabalharem. A proposta da coligação aumentava, por exemplo, a quantia de dinheiro poupado ou a quantidade de bens que as pessoas poderiam manter e ainda assim receber o subsídio: segundo a proposta, os beneficiários poderiam manter poupanças ou bens até 60 mil euros durante os primeiros dois anos para uma pessoa a viver independente – actualmente, há a obrigação de vender bens ou usar primeiro poupanças com quantias calculadas conforme os casos. Por exemplo, uma decisão judicial de 2007 estabeleceu que quem tivesse um automóvel com valor patrimonial de 7500 euros teria de o vender.

Por outro lado, a proposta do Governo diminuía as sanções a quem não cumpre as medidas necessárias para conseguir emprego, como o envio de um dado número de candidaturas por mês, permitindo, por exemplo, maior área de um apartamento arrendado recorrendo ao apoio. O foco da proposta deixa de ser que as pessoas encontrem rapidamente um emprego e passa a ser que obtenham mais qualificações, com um renovado sistema de formação, para conseguir um emprego mais estável.

O ministro do Trabalho, Hubertus Heil, recusou a acusação da CDU de que o seu partido estivesse a fazer esta mudança para “lidar com o trauma” da Agenda 2010, segundo a agência Reuters.

O ministro vai agora recorrer a uma comissão que faz mediação entre o Conselho Federal, onde estão representados os estados federados do país e chumbou a proposta, e o Parlamento, que aprovou na semana passada a reforma – que é demasiado importante para o SPD (Heil é do SPD) para que a deixe cair, mesmo que o caminho possa ser difícil.

Nicole Hoffmeister-Kraut, responsável da pasta do Trabalho e da Economia do Governo do estado de Baden-Württemberg, disse que o voto negativo no Bundesrat “não foi um bloqueio” da parte da CDU, cita o diário alemão Der Tagesspiegel, mas que o partido quer “trabalhar de modo construtivo” numa solução.

Heil já se mostrou disponível para negociar, dizendo, citado pelo mesmo diário, que o Governo “está aberto ao diálogo”.

Sugerir correcção
Comentar