Alemanha primeiro

Estará a União novamente em risco, com a principal economia a assumir uma postura a solo? Desta vez, um “whatever it takes” para salvar a economia alemã? Qual será o próximo -exit?

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Olaf Scholz Reuters/LOUIZA VRADI

Toda a Europa sofre com a crise energética que nos assola desde que a Rússia entrou em território ucraniano. Alguns países mais que outros, dada a sua elevada dependência da energia russa, como a Alemanha. Nestes países, o Inverno não se avizinha nada fácil. Seria de contar que honrássemos a palavra união para fazer face à crise energética (afinal, não criamos a CECA, precursora da UE para trocar carvão, a nossa energia, na altura?), mas Olaf Scholz fez, no espaço de pouco mais de duas semanas, duas declarações que arrepiam quem ainda se lembra da desunião de 2012: primeiro, que aprovaria um plano de emergência de 200 mil milhões de euros para almofadar o impacto sentido pela indústria alemã. Segundo, defendeu a abolição gradual do princípio da unanimidade para decisões de política externa e, eventualmente, fiscal na UE.

Eu sei – parece o nosso Vietname e só nos vêm flashes da crise passada.

Sendo a Alemanha um dos membros fundadores da UE, esperava-se que honrasse de outra forma o conceito de União Europeia. Mais que isso, a crise das dívidas soberanas está tão presente que toda a UE tem os olhos postos na Alemanha sempre que outra crise nos assola – foi o caso da crise dos migrantes em 2015 e da covid-19 e consequente necessidade de planos de recuperação para as economias mais afectadas. Angela Merkel foi cumprindo este papel, parecendo ter aprendido algumas lições com os fantasmas de 2012, e mostrou-nos uma Alemanha mais solidária e focada na União. Olaf Scholz parece ter uma abordagem mais ortodoxa (e até americana) de “Alemanha primeiro”.

Comecemos pelo plano para salvar a indústria alemã. A reacção imediata dos parceiros europeus foi a natural – é injusto porque dá à indústria alemã uma vantagem competitiva, e, como disse o primeiro-ministro polaco, é uma total desconsideração pelo mercado único, já que vários estados-membros não terão a mesma facilidade para almofadar os impactos sentidos internamente. Já que somos uma União, a ideia que me parece mais natural seria desenhar um pacote comum que nos permitisse ultrapassar esta crise da melhor forma possível (como fizemos com a covid-19). Claro que aqui se colocam as questões da eventual falta de vontade e proactividade da Alemanha (e outros países) para reduzir a dependência de energia russa e a eventual justiça de estarmos a salvar quem ignorou as desvantagens de ter parcerias energéticas com a Rússia. Mas já que o mal está feito, mostremos ao mundo que conseguimos ser homogéneos no meio da heterogeneidade a 27.

Quanto à abolição das decisões por unanimidade, é outro pau de dois bicos. Sim, o processo legislativo da UE é muito lento exactamente por isso; sim, quando as soluções aparecem já é tarde; sim, poderíamos simplificar para uma maioria. A questão que se coloca é o tipo de maioria – os países centrais contra os anteriormente denominados “GIPSI”? Um aproveitamento das maiores economias para decisões que as beneficiam largamente? Bem sei que o princípio da unanimidade não é perfeito, mas parece-me que encontrar uma solução que agrade a todos, através da negociação, ainda vai sendo a nossa melhor hipótese.

Estará a União novamente em risco, com a principal economia a assumir uma postura a solo? Desta vez, um “whatever it takes” para salvar a economia alemã? Qual será o próximo -exit? Creio que Olaf Scholz terá de acertar prioridades antes de fazer este tipo de discurso – talvez recordar a história da integração europeia antes de voltar a falar aos parceiros.

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