Enfermagem: um caminho das normas legais às respostas estoicas

Apelamos à possibilidade de as universidades poderem oferecer cursos de licenciatura de Enfermagem.

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Nuno Ferreira Santos

Recuemos ao debate dos primórdios da enfermagem em que a praxis residia entre os alicerces da postilla religiosa - arte de enfermeiros da Idade Média e a enfermagem moderna de Florence Nightingale, no século XIX. A enfermagem fez o seu percurso, similar a outras áreas do conhecimento quinhentista, em que a ciência se sedimentava, ora em práticas punitivas, no caso do direito, ora em retóricas de Galeno, no caso da medicina. “Só” passaram 200 anos e um longo caminho foi percorrido até à integração da enfermagem no sistema educativo nacional ao nível do Ensino Superior Politécnico.

Em Portugal, o ensino de enfermagem foi institucionalizado no século XIX, mas só nos anos 40 do século XX passou para a responsabilidade dos enfermeiros. A partir de 1977, só se fazia o curso de enfermagem com o ensino secundário completo, à semelhança de qualquer outro curso superior e, em 1988, o ensino é integrado no sistema educativo nacional ao nível do Ensino Superior Politécnico. Ao bacharelato, segue-se a licenciatura, os mestrados de natureza académica e profissional e depois o doutoramento em Enfermagem, que há 20 anos produz novo conhecimento.

Sabemos pelo sociólogo Parsons que no exercício da profissão e na expressão disciplinar nem sempre é clara a distinção do saber do enfermeiro e da pessoa alvo de cuidados. Na promoção da saúde, ou seja, na capacitação do outro, os enfermeiros colocam-se “ombro a ombro” com uma pessoa concreta, numa circunstância peculiar. Depois de identificados os diagnósticos de enfermagem, os enfermeiros orientam as respostas das pessoas baseadas em evidência científica, mas adaptadas e possíveis no seu processo de vida, de saúde e doença. A necessária orientação e acompanhamento, a presença contínua, a relação estabelecida e a solicitude do enfermeiro assumem, assim, uma aparente simplicidade na complexidade da expressão profissional e disciplinar da enfermagem. Por outras palavras, embora em situações específicas a demarcação do saber disciplinar de Enfermagem até possa ser mais óbvia, a “aparente fraqueza” revelada na ação do enfermeiro (como intrínseca ao saber) deve interpelar-nos, quer na academia, quer em contexto clínico.

O padrão singular das respostas humanas assume também uma repercussão singular para a prática de enfermagem - todas as pessoas são únicas! Centrada nesse objeto de estudo, nem sempre reconhecido e assumido pela sociedade, a enfermagem baseia-se desde sempre em lógicas de ação de natureza pública, que de certa forma contrariam as lógicas de mercado em conformidade com as profissões dominantes. Sabemos como a ação do enfermeiro é indiscutivelmente estruturante no sistema de saúde e no Serviço Nacional de Saúde em vários contextos - da gestão de cuidados, da formação e da prestação de cuidados gerais e especializados.

A decisão clínica baseada na melhor evidência científica, a investigação e a transferibilidade do conhecimento novo para a prática clínica revelam a desadequação normativa a que continuamos ancorados desde 1988 com o Decreto-Lei n.º 480 – que integra o ensino da enfermagem no sistema educativo nacional, a nível do Ensino Superior Politécnico. Com base no longo, justo e profícuo caminho percorrido, apelamos, pois, à possibilidade de as universidades poderem oferecer cursos de enfermagem no âmbito do primeiro ciclo de estudos.

Cientes de que “só” passaram 200 anos na construção de um saber disciplinar, temos, contudo, uma certeza (em tempos de incerteza dominados por conflitos mundiais): continuaremos a dar resposta às Respostas Humanas! Pela exigência de respostas fundamentadas cientificamente e orgulhosos de provas dadas, por profissionais qualificados, recordamos que “já” passaram 200 anos!

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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