CNE diz que propaganda política é “livre” e vê possível crime da Câmara de Lisboa

A Comissão Nacional de eleições afirmou esta quinta-feira que não existe “cobertura nas disposições legais aplicáveis” na decisão da Câmara de Lisboa de remover outdoors partidários.

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Em causa estão cartazes de propaganda política retirados de Lisboa, inclusive da Praça Marquês do Pombal Rui Gaudencio

A Comissão Nacional de Eleições (CNE) considera que a actividade de propaganda política é “livre” em locais públicos e que a retirada de outdoors em Lisboa por parte da Câmara Municipal pode constituir crime.

Numa resposta escrita enviada à Lusa, a CNE afirma que as autarquias “não têm competência para regulamentar o exercício da liberdade de propaganda” e que a retirada de cartazes do espaço público tem de ser decretada por ordem do tribunal.

Na sequência da notificação da Câmara de Lisboa a 13 entidades para retirarem os seus outdoors da Praça Marquês de Pombal, os serviços municipais removeram, na madrugada de 28 de Setembro, quatro cartazes (do movimento MUDAR e dos partidos Nós Cidadãos, PAN e PCP), que não foram retirados “de forma voluntária”.

A autarquia fundamentou o pedido às 13 entidades com o facto de a praça fazer parte de uma “zona especial de protecção conjunta” e da “lista de bens imóveis de interesse municipal e outros bens culturais imóveis” inscrita no regulamento do Plano Director Municipal.

O executivo municipal lembrava ainda que, de acordo com o artigo 6º da Lei n.º 97/88 sobre a fixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda, “compete às câmaras municipais, ouvidos os interessados, definir os prazos e condições de remoção dos meios de propaganda utilizados”.

No entanto, a CNE tem uma perspectiva diferente e diz que a “pretendida remoção de propaganda por parte da Câmara Municipal de Lisboa não encontra cobertura nas disposições legais aplicáveis”.

“A actividade de propaganda, com ou sem cariz eleitoral, seja qual for o meio utilizado, é livre e pode ser desenvolvida a todo o tempo, fora ou dentro dos períodos eleitorais, em locais públicos, especialmente os do domínio público do Estado e de outros entes públicos”, resume a CNE, lembrando a liberdade de expressão prevista na Constituição e que o “direito ao não-impedimento” destas acções faz partes das “tarefas fundamentais do Estado”.

A comissão eleitoral coloca ainda em causa um “crime de dano” pela “ilegalidade da actuação descrita” e que inclui “a remoção das estruturas onde se encontravam afixadas as mensagens de propaganda política”.

Em 1995, o Tribunal Constitucional (TC) avaliou a constitucionalidade da Lei n.º 97/88, a pedido do PCP, que questionava várias normas e o poder atribuído às câmaras municipais na gestão da propaganda. Na resposta escrita enviada à Lusa, a comissão evocou o acórdão n.º 636/95 do TC sobre esse pedido: a lei respeita a Constituição e “está ali a regular ela própria e definitivamente o exercício cívico da liberdade de expressão”.

O ponto 1 do artigo 4.º da referida lei menciona cuidados que devem seguidos com a publicidade comercial e na afixação de propaganda, e que inclui os objectivos de “não provocar obstrução de perspectivas panorâmicas ou afectar a estética ou o ambiente dos lugares ou da paisagem” e “não prejudicar a beleza ou o enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse público ou outros susceptíveis de ser classificados pelas entidades públicas”.

A CNE entende, tal como o TC, que estas disposições devem “nortear os sujeitos privados” e “não conferem a nenhuma entidade administrativa poderes para impor proibições deles”, mesmo que estes objectivos não sejam respeitados.

Verificado o incumprimento desses objectivos, a remoção da propaganda por parte das entidades pública só avança depois da decisão de um “tribunal competente”.

Embora não tenha poder para interferir no caso, a posição da comissão eleitoral foi conhecida na sequência de um parecer pedido pelo partido Nós Cidadãos e no qual recorda que a alteração da lei vigente é competência da Assembleia da República.

Por causa deste caso, o PCP apresentou na segunda-feira queixa ao Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, enquanto o Chega fez o mesmo junto do Ministério Público.

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