Este país deve ser para aposentados: por uma mútua para os médicos

Os médicos aposentados por antecipação têm mantido recato sobre a situação dramática em que vivem, com pensões baixas que a inflação crescente está agora a reduzir a pó.

Imaginar como será a nossa vida na 3.ª idade talvez seja dos exercícios mais difíceis. Independentemente de aonde o desejo da reforma nos leve, todos temos a certeza de que desejamos ter o conforto físico e financeiro que – vemo-lo todos os dias nas notícias – está a faltar à geração atual que, na sua maioria, equilibra um parco orçamento mensal entre despesas correntes, no supermercado e na farmácia.

Ora, entre todas estas histórias de dificuldade estão as de centenas de médicos aposentados por antecipação. Estes colegas têm mantido recato sobre a situação dramática em que vivem, com pensões baixas que a inflação crescente está agora a reduzir a pó.

Não era a ideia de reforma digna que tinham quando decidiram aposentar-se há cerca de 15 anos. Quem diria, nessa época, que a economia e a sociedade portuguesa se encontrariam neste ponto, empurradas por uma guerra travada em território europeu, com inflações acima dos 7%? Quando estes médicos – a maioria da minha geração – se aposentaram, tinham 50 e tal anos. Decidiram pôr um fim antecipado à carreira profissional devido às dificuldades em adaptar-se ao novo paradigma tecnológico na saúde (com receituário eletrónico, marcação de exames complementares de diagnóstico ou reserva de consultas pelo computador) e/ou ao desencanto que já então sentiam com os excessos da burocratização. Aceitaram penalizações (de menos 25% ou até de percentagens superiores sobre os salários) porque o sonho da reforma – e o fim do “pesadelo informático” – parecia poder compensar a pensão mais magra no fim do mês.

Agora, a magreza transformou-se numa condição extrema que nos deve convocar a todos, médicos, a agir. Só a Ordem dos Médicos pode ajudar a resolver esta situação delicada, pelo que é importante que se crie um mecanismo (ampliando o já existente e muito meritório Fundo de Solidariedade) para auxiliar estes médicos aposentados em dificuldade. Para que isso possa ocorrer com seriedade, equidade e elevação, encorajo os colegas a saírem da sua míngua envergonhada e a solicitarem auxílio à nossa Ordem. Funcionaria como um fundo mútuo, composto por uma percentagem das quotas pagas à Ordem dos Médicos e que, nesta fase, os ajudaria a reencontrar a dignidade.

Estas histórias devem também servir-nos como lição para o futuro, pelo que este mecanismo deve ir além deste movimento solidário e definir-se como um verdadeiro suplemento de reforma para quando os médicos se aposentarem. Teriam, então, uma almofada para atenuar outros problemas que se adivinham no horizonte em uma, duas, três e até quatro ou cinco décadas, isto é, que nos atingirão a todos. Nessa data, segundo um estudo recente, divulgado pela Sedes – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, a pensão média valerá menos 38% face aos já degradados vencimentos que auferimos. A Ordem dos Médicos tem de antever as dificuldades que se avizinham e dignificar os seus membros. Este será um instrumento humanista e sensível, de acordo com os nossos princípios éticos profissionais, que contribuirá decisivamente para dignificar o futuro dos médicos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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