O desmoronar do regime de Putin

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Comemoração em Moscovo da anexação de mais quatro regiões da Ucrânia pela Rússia EPA/MAKSIM BLINOV/SPUTNIK/KREMLIN POOL

Vladimir Putin está a perder em toda a linha e não seria de admirar que a sua continuidade no poder estivesse em risco. A guerra que inventou já dura há sete meses e está a correr cada vez pior, com a perda acelerada de territórios ocupados para as tropas ucranianas. Os soldados russos estão cada vez mais desmoralizados e as suas capacidades militares diminuídas. A contestação a Putin e à guerra é cada vez mais aberta e frequente, particularmente depois de ter anunciado a mobilização de reservistas.

Putin está sem soluções para continuar a sua aventura expansionista delirante e totalmente inaceitável e numa fuga para a frente que pode ser trágica, sobretudo depois da anexão ilegítima e atabalhoada de quatro regiões a leste e a sul da Ucrânia. A “mobilização militar parcial” é um último recurso que certamente preferia não ter decretado, devido às consequências que estão à vista, de uma contestação que se está a generalizar e uma debandada do país de milhares de pessoas que recusam ser carne para canhão

Para não irem combater, milhares de russos estão a fugir do país enchendo aviões e fazendo filas de quilómetros junto a várias fronteiras, apesar das pesadas penas previstas para os desertores. Além disso, são cada vez mais frequentes os desacatos, ataques a postos de recrutamento e as manifestações contra a guerra, o que significa que os russos estão com menos medo de enfrentar a máquina repressiva do regime do que de morrer ou perder familiares na frente de combate.

A carta assinada por mais de três dezenas de autarcas de São Petersburgo e Moscovo a pedirem a destituição de Putin por causa da guerra na Ucrânia, sabendo os riscos que corriam de serem presos e verem destruída a sua vida, é a prova de que os russos já estão dispostos a tudo.

A mobilização de reservistas, pessoas de várias idades e com as mais variadas ocupações, atingindo duramente os núcleos familiares, revela claramente que a Federação Russa está longe de atingir os seus objetivos e põe a nu a mentira que foi a “operação militar especial” com que Putin quis mascarar o lançamento da guerra e que já nenhuma propaganda ou desinformação pode ocultar.

Tão grave como a ordem de mobilização, são os referendos e a anexação feita à pressa de quatro regiões controladas pelos russos, a exemplo do que aconteceu na Crimeia em 2014, sem qualquer legitimidade nem reconhecimento internacional, mas que pode dar ao Kremlin argumentos de defesa ainda mais agressivos, incluindo através da ameaça nuclear, que sempre pairou desde o início da invasão.

Com efeito, a escalada da retórica com a ameaça de uso de armas nucleares é muito grave e não pode ser desvalorizada, mesmo que seja uma forma de Putin esconder a sua desorientação e a possibilidade real de perder esta guerra aos olhos do seu povo e do mundo.

Todos os objetivos que pretendia alcançar falharam. A Europa, a NATO e a Ucrânia estão hoje mais fortes e coesas, irmanadas na defesa da soberania das nações, no respeito por todas as dimensões do direito internacional e dos valores que fundamentam a Carta das Nações Unidas. Seja qual for o desfecho desta guerra, Putin já perdeu e ninguém lhe perdoará a aventura insana em que meteu o seu povo, nem dentro do seu país nem a nível externo.
Com tantas dezenas de milhar de mortos e feridos nas frentes de combate, com um descontentamento interno crescente e já impossível de calar, com a necessidade de recorrer a uma repressão cada vez maior e mais violenta dos contestatários, com a economia de rastos e um isolamento internacional quase total e com a destruição do sistema político e económico que foi criando ao longo das duas últimas décadas, Putin já não consegue iludir a realidade.

Entretanto, a contrapor à erosão e instabilidade do regime russo, os europeus e os aliados resistem à pressão económica, à chantagem energética e à ameaça nuclear, mantendo a unidade, fundamental para derrotar os propósitos de Putin. O mesmo já não acontece com os poucos parceiros de conveniência que estão cada vez mais distanciados e incomodados com a loucura militar de Putin, incluindo a China, como é particularmente evidente desde a recente cimeira da Organização para a Cooperação de Xangai.

O regime começa, por isso, a desmoronar-se. Talvez Putin esteja perto do fim.

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