Oceano Árctico está a acidificar quatro vezes mais rápido do que pensávamos

Cientistas surpreendidos com a rapidez com que o degelo marinho está a impulsionar a absorção de CO2, levando à acidificação do oceano. Trata-se de uma combinação perigosa que ameaça a sobrevivência de corais e outras formas de vida marinha.

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Glaciar no Árctico iluminado por ocasião de uma instalação do artista suíço Gerry Hofstetter Frank Schwarzbach/EPA

Os níveis de acidez no Oceano Árctico estão a aumentar três a quatro vezes mais rápido dos que nas demais águas oceânicas na Terra, revela um estudo publicado esta sexta-feira na revista Science. Esta é a primeira análise da acidificação do Árctico que compila dados de mais de duas décadas, cobrindo o período entre 1994 e 2020.

“Ficámos chocados ao ver que a acidificação está a acontecer três a quatro vezes mais rápido”, disse o co-autor Wei-Jun Cai, cientista da Escola de Ciências Políticas e Marinhas da Universidade de Delaware, nos Estados Unidos, citado pelo jornal britânico The Guardian.

A equipa internacional que elaborou o estudo identificou ainda uma forte correlação entre a taxa acelerada de degelo na região e a taxa de acidificação dos oceanos. Trata-se de uma combinação perigosa que ameaça a sobrevivência de vegetais, crustáceos, corais e outras formas de vida marinha do planeta.

“O derretimento do gelo dilui (ou diminui) a alcalinidade da água do mar. Isto mitiga a capacidade de amortecimento da água, a capacidade [oceânica] de resistir à acidificação”, afirmou Wei-Jun Cai à mesma fonte.

Os investigadores estimam que, até 2050, o gelo marinho no Árctico dificilmente resistirá aos Verões cada vez mais quentes potenciados pela crise climática. As consequências do degelo são sobejamente conhecidas: a composição química do oceano altera-se, ficando cada vez mais ácida e tornando os ecossistemas marinhos menos ricos e saudáveis.

Os autores analisaram dados colectados de 47 navios científicos no Árctico, de 1994 a 2020, para estimar as mudanças no pH da água do mar e o estado de saturação de um mineral específico (parâmetros utilizados para avaliar a acidificação do oceano).

Definição de ácido e alcalino

Quando dizemos que algo é ácido ou alcalino, referimo-nos aos níveis de pH. Qualquer produto que contenha água pode ser classificado pelo nível de pH, que varia de zero a 14. A água pura – que não é igual à que sai das nossas torneiras – é considerada neutra e apresenta um valor de pH equivalente a sete.

A linha que separa o ácido do alcalino reside precisamente nessa água pura: os níveis inferiores a sete são considerados ácidos e todos os que estão acima desse valor são alcalinos.

O café que bebemos pela manhã, por exemplo, apresenta um pH cinco (ácido, portanto). Já o sangue que circula nas nossas artérias tem um nível de acidez de 7,4 (alcalino). A água do mar tal como a conhecíamos pertence precisamente ao patamar alcalino (8,19). Mas até quando?

A perda de gelo marinho é o principal mecanismo para explicar essa rápida diminuição do pH. O degelo altera a física e a química da água superficial de diferentes formas.

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Estação central de gelo Xuelong II no Árctico, em 2020 Ruibo Lei/Instituto Chinês de Pesquisa Polar

“Até 2050, pensamos que todo o gelo desaparecerá durante o Verão. Alguns artigos prevêem que isso acontecerá já até 2030. Se seguirmos a tendência actual por mais 20 anos, a acidificação do Verão será muito, muito forte”, afirma Wei-Jun Cai, citado num comunicado de imprensa.

Engana-se quem pensa que isto constitui um problema apenas para os seres vivos marinhos, ou para os humanos que deles dependem para a própria subsistência. Embora não se saiba com exactidão como a biologia planetária será afectada, é certo que há uma interdependência entre os ecossistemas.

Colaboração internacional

O estudo da Science resulta de uma robusta colaboração internacional, reunindo cientistas oriundos da China, dos Estados Unidos, da Suécia e da Rússia.

“Simplesmente não se consegue fazer sozinho”, refere o co-autor. “Esta colaboração internacional é muito importante para colectar dados de longo prazo numa área vasta e remota do oceano. Nos últimos anos, também colaboramos com cientistas japoneses, pois o acesso à água do Árctico foi ainda mais difícil nos últimos três anos devido à pandemia. E sempre temos cientistas europeus a participar”, acrescenta Cai, citado no mesmo documento.

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