Nunciatura de Díli diz que suspeitas de abusos sexuais de Ximenes Belo estão na Santa Sé

O “assunto está directamente com o Vaticano e a Santa Sé. A Igreja local e a Nunciatura não têm mais competência directa”, afirmou o representante máximo do Papa e do Vaticano em Timor-Leste.

Foto
"Qualquer resposta virá directamente da Santa Sé”, explicou Marco Sprizzi MANUEL ROBERTO

O caso que envolve suspeitas de abusos sexuais de menores pelo ex-administrador apostólico de Díli Ximenes Belo está com os órgãos competentes da Santa Sé, disse esta quarta-feira o representante do Vaticano em Timor-Leste, sem confirmar se o prelado foi ou não investigado.

“Pessoalmente não posso nem confirmar nem desmentir porque é uma questão de seriedade da minha parte, visto a competência ser dos meus superiores na Santa Sé”, disse à Lusa Marco Sprizzi, representante máximo do Papa e do Vaticano em Timor-Leste.

“Esta questão deve ser dirigida directamente à Santa Sé”, referiu quando questionado sobre a veracidade das denúncias de alegados abusos de menores cometidos ao longo de vários anos por Ximenes Belo, hoje a residir em Portugal, que foram publicadas por um jornal holandês.

Marco Sprizzi explicou que o caso “está à atenção dos Dicastérios competentes da Santa Sé e da Secretaria de Estado de sua Santidade o Papa Francisco”, numa referência às estruturas que integram a Curia Romana.

“Eles estão a examinar este artigo e o seu conduto e de outros que estão a ser publicados neste momento e, a partir disto, qualquer resposta virá directamente da Santa Sé”, explicou. O “assunto está directamente com o Vaticano e a Santa Sé. A Igreja local e a Nunciatura não têm mais competência directa”, acrescentou.

Na sua edição online, o jornal holandês De Groene Amsterdammer publicou esta quarta-feira testemunhos de alegadas vítimas de abusos sexuais, quando eram menores, crimes que terão sido cometidos durante vários anos por Ximenes Belo.

O jornal explica ter ouvido várias vítimas dos crimes, alegadamente cometidos na década de 1980 e 1990, e vinte pessoas com conhecimento do caso, incluindo “individualidades, membros do Governo, políticos, funcionários de organizações da sociedade civil e elementos da Igreja”.

“Mais de metade das pessoas conhecem pessoalmente uma vítima dos abusos e outros têm conhecimento do caso. O De Groene Amsterdammer falou com outras vítimas que recusaram contar a sua história nos media”, refere a jornalista Tjirske Lingsma.

“O Paulo e Roberto”, as duas alegadas vítimas entrevistadas para o artigo – que pediram o anonimato -, “conhecem outras vítimas”, refere o jornal, um dos principais semanários do país.

Em declarações à Lusa, Marco Sprizzi disse que o jornal holandês foi “correcto” e colocou várias perguntas à Nunciatura em Díli que foram “transmitidas aos competentes Dicastérios da Santa Sé”.

Sprizzi recusou-se a confirmar se foram impostas algumas restrições a Ximenes Belo, nomeadamente impedimento de visitas a Timor-Leste, confirmando só que “não foi laicizado” [retirado das funções eclesiásticas].

Os contornos da saída de Ximenes Belo de Timor-Leste, em Novembro de 2002, nunca foram totalmente clarificados pelo Vaticano.

Outras fontes da Igreja em Timor-Leste, ouvidas pela Lusa, explicaram que “nenhuma vítima” denunciou alegados abusos, de forma presencial tanto na Nunciatura como na Igreja timorense, não havendo informações de qualquer denúncia junto das autoridades civis. Ainda assim, apontam a realização de uma investigação, cujos contornos não são conhecidos.

Em 2020, em declarações à Lusa, um elemento superior da Igreja Católica em Díli, que solicitou o anonimato, escusou-se a revelar se houve ou não uma demissão formal de Ximenes Belo pelo então papa João Paulo II.

A mesma fonte referiu-se, porém, ao que disse serem “instruções” para “ter um perfil baixo, não viajar, não mostrar insígnias episcopais, ter uma atitude modesta”. Parte do silêncio sobre o Nobel da Paz deve-se, admitiu a mesma fonte, ao facto de a postura do Vaticano relativamente a abusos sexuais na Igreja ter mudado com os dois últimos papas, com a adopção de uma política de “tolerância zero”.

“Houve esta progressiva consciencialização da Igreja sobre a gravidade do assunto e sobre a atitude, a reacção que a Igreja deve ter para expulsar e corrigir ao máximo possível este crime dentro da igreja, especialmente dentro do clero”, afirmou a mesma fonte.

Questionado sobre o que ocorreu aquando da saída de Ximenes Belo em Novembro de 2002 – numa decisão que na altura causou bastante surpresa – Sprizzi recordou que a “renúncia voluntária de Ximenes Belo se baseou numa razão de saúde”. Nesse sentido, explicou, a resposta oficial “não pode mudar, tendo sido dada com base no direito canónico. Mas se alguma coisa deve ser acrescentada, será acrescentada pelos órgãos competentes”, rizou.

Na ocasião, em comunicado, Ximenes Belo anunciou a sua resignação do cargo, alegando problemas de saúde e a necessidade de um longo período de recuperação. “Tenho vindo a sofrer de esgotamento, cansaço físico e psicológico, pelo que necessito de um longo período de repouso em vista de uma recuperação total da minha saúde”, referia o comunicado, citado então pela Lusa.

A 27 de Novembro de 2002, o Vaticano confirmou, através da gazeta L’Osservatore Romano, que “o Santo Padre aceitou a renúncia do ofício de Administrador Apostólico ‘Sede vacante et ad nutum Sanctae Sedis’ de Díli (Timor Oriental), apresentada por sua excelência reverendíssima, monsignor Carlos Felipe Ximenes Belo, bispo titular de Lorium, em conformidade com o cânone 401.2 do Código de Direito Canónico”.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários