Floresta gerida, floresta protegida

Para mitigar de forma duradoura o cenário cíclico de catástrofe em matéria de fogos rurais, além do que está a ser feito, tem de se implementar um programa de apoio à “gestão ativa da floresta”, disponibilizando 75 milhões de euros anuais para o efeito.

Foto
Manteigas, serra da Estrela Teresa Pacheco Miranda

Os incêndios rurais voltam à ordem do dia. De novo esse sentimento de impotência e de perda coletiva. A área protegida da Serra da Estrela carregada de cinza. O enorme incêndio que se queria evitar. Uma resposta política anunciada. Um plano de revitalização para a década. Os ecossistemas recompõem-se, com perdas irreversíveis. As atividades produtivas deixarão sempre uma interrogação silenciosa entre a recuperação e o abandono.

Deste ano de fogo podemos afirmar que o sistema de prevenção e combate, ainda com insuficiências e ineficiências, está mais robusto. O dispositivo especial de combate tem uma outra dimensão, especialização e experiência. Na prevenção, números do ICNF dos últimos cinco anos (tive responsabilidade política em dois deles, assumindo a minha quota parte do que foi e não foi feito), houve intervenção em 250 mil hectares. Em tarefas mecânicas, “cabras sapadoras” e fogo controlado.

Entretanto, a AGIF – Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, IP, responsável pela coordenação do Sistema de Gestão integrada de Fogos Rurais e do Plano Nacional de Ação avança com uma meta para a década: intervir em 2,6 milhões de hectares. Portanto, multiplicar por cinco o ritmo do que tem sido feito.

O investimento concentrou-se, prioritariamente, nas faixas de contenção de fogo. Essa infraestrutura de “proteção passiva” está, em parte expressiva do país, concluída, sendo, agora, necessário mantê-la. Mas o património florestal está a degradar-se. Precisa de ser gerido, restaurado e renovado, num novo ciclo de geração de valor devidamente partilhado entre partes interessadas. Este é o ponto onde o país continua a falhar.

Limpar não é gerir. Gerir é podermos identificar o valor da intervenção e a sua direta relação com o ativo lenhoso, o subproduto ou o serviço do ecossistema que poderá gerar. A componente técnica presencial é incontornável.

A floresta, em zonas de muito pequenas parcelas, necessita de gestão conjunta. Para isso foram criadas Zonas de Intervenção Florestal, que agregam milhares de produtores em unidades de gestão florestal. São 1 milhão de hectares sob gestão destas entidades operativas em minifúndio. Por outro lado, temos 400 mil hectares de áreas comunitárias e 60 mil hectares de matas públicas, submetidos a Regime Florestal, pela vulnerabilidade dos territórios que ocupam, pelo património natural e produzido que integram e pelos múltiplos bens públicos que fornecem. Somam milhão e meio de hectares que, sem apoio contínuo e previsível, não podem fazer aquilo que é preciso: gestão com escala, geração de valor económico e proteção de bens públicos (retenção de carbono, regulação do ciclo da água, preservação da biodiversidade, tudo aquilo que está agora em causa na serra da Estrela).

O Governo lançou uma iniciativa interessante para Áreas Integradas de Gestão da Paisagem em áreas vulneráveis. São 150 mil hectares que podem ser melhorados, numa perspetiva de intervenção, simultaneamente, nas áreas florestais, agrícolas e silvestres. São operações cirúrgicas, complexas, de transformação de paisagem, que levam tempo a gerar resultados. E não são replicáveis de imediato.

Para mitigar de forma duradoura o cenário cíclico de catástrofe em matéria de fogos rurais e acelerar o cumprimento dos objetivos planeados para a década, além do que está a ser feito, tem de se implementar um programa de apoio à “gestão ativa da floresta”, de conceção e execução simples, com uma ajuda forfetária por hectare, disponibilizando 75 milhões de euros todos os anos para o efeito. É muito menos de metade das perdas económicas e ambientais contabilizadas na última década com os incêndios rurais. E menos de um oitavo do valor dos serviços dos ecossistemas que a floresta presta anualmente à sociedade. Uma ajuda de 50 euros por hectare como referência, com prioridades, modelações face às espécies presentes e metas de gestão muito concretas, tendo por parceiros ZIF, baldios e ICNF, permitiria intervir todos os anos em 10% da área agregada e, cumulativamente, nesse milhão e meio de hectares durante a década. Este investimento gera emprego e potencia a economia destes territórios. Traz motivação e novo interesse pela floresta.

A verba para este apoio está no Fundo Ambiental, que integrou o Fundo Florestal Permanente. Em 2018, o orçamento global destes fundos era de 212 milhões de euros (foram investidos na floresta 63 milhões, isto é, cerca de 30%); agora, em conjunto, têm cinco vezes mais (1152 milhões de euros), 80% vindo de leilões de emissões e taxas sobre o carbono; menos de 4% vai para a floresta. Ora a floresta, além de outros serviços ecossistémicos, é o grande sumidouro de carbono. Logo, o que se pede é que a floresta possa receber uma pequena parte daquilo com que contribui para a gestão de bens comuns. Com 10% do Fundo Ambiental, o programa de apoio à gestão é possível e pode estimular um interessante mercado de capital natural. Aquilo que em 2018 não se podia, por falta de verbas, é hoje possível. Sem isso, não há floresta bem gerida e protegida em escala para fazer a diferença.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 1 comentários