Metade da família das palmeiras pode estar em risco de extinção

Recorrendo à inteligência artificial, cientistas obtiveram um retrato mais nítido do estado de conservação da família das palmeiras: apesar de bem representada na famosa Lista Vermelha, a ameaça que paira sobre a maioria destas plantas ainda não estava clara.

Elaeis guineensis Jacq. from Cameroon.
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Estudo mostra que mais de mil espécies da família Arecaceae poderão estar em risco de extinção. Kew/DR
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As palmeiras selvagens não têm valor apenas à luz da biodiversidade; elas também contribuem para o sustento de milhões de pessoas Andrew McRobb/Kew/DR

É difícil pensar nas palmeiras como plantas ameaçadas – o imaginário colectivo faz-nos crer na sua abundância através de múltiplas imagens em filmes, catálogos turísticos e jardins apalaçados. Contudo, um estudo publicado esta segunda-feira na revista Nature Ecology and Evolution mostra que mais de mil espécies da família Arecaceae poderão estar em risco de extinção.

“Uma família de plantas altamente icónica, ecológica, cultural e economicamente importante está em risco de perder metade das suas espécies. Esforços urgentes de conservação e pesquisa são necessários para evitar isso”, alerta Sidonie Bellot, líder da unidade de investigação do Jardim Botânico Real de Kew, no Reino Unido, e co-autor do estudo.

O trabalho da equipa de investigadores do Kew – em parceria com colegas da Universidade de Zurique, na Suíça, e de Amesterdão, na Holanda – subdivide-se em duas grandes etapas. Primeiro, usaram ferramentas de inteligência artificial para estimar o risco de extinção na família das palmeiras, considerando a distribuição e a ecologia destas plantas. Chegaram ao número hipotético de 1381 espécies em risco de extinção.

Depois, as estimativas encontradas automaticamente foram combinadas com as avaliações disponíveis na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Este cruzamento de dados permitiu determinar o risco de extinção de 1889 espécies – ou seja, de 75% da família das palmeiras. Isto porque 620 espécies foram excluídas do relatório devido à ausência de dados disponíveis.

Os resultados indicam que, infelizmente, a ameaça de extinção paira sobre mais de metade (56%) das espécies consideradas no estudo. Se extrapolarmos estes dados para toda a família, chegamos às tais mil espécies ameaçadas referidas no primeiro parágrafo.

“O número de espécies de palmeiras potencialmente ameaçadas de extinção é surpreendente. Sabíamos que as espécies em risco poderiam estar sobrerrepresentadas na Lista Vermelha devido à tendência de prioritizar a avaliação daquilo que suspeitamos estar ameaçado.

Esperávamos, portanto, encontrar uma proporção menor de espécies de palmeiras ameaçadas do que quando olhamos só para a Lista Vermelha. Obtivemos de facto uma estimativa mais baixa (56% contra 69-80%), mas, ainda assim, saber que mais da metade das espécies de palmeiras podem estar ameaçadas de extinção é realmente preocupante”, afirma Bellot ao PÚBLICO por e-mail.

Inteligência artificial como aliada

Os cientistas acreditam que a inteligência artificial pode ser um grande aliado na elaboração de avaliações preliminares do estado de cada espécie. A equipa está a desenvolver novas técnicas para estimar o risco de extinção de milhares de espécies de plantas. Este esforço pode contribuir para a expansão e actualização dos dados da IUCN.

A IUCN é a entidade científica de referência para a avaliação do estado de cada espécie animal, vegetal ou fúngica. Embora a lista vermelha constitua uma ferramenta poderosa na área da conservação, este enorme inventário apresenta omissões, referem os autores.

“Há lacunas na lista vermelha que precisam ser abordadas, pois nem todas as espécies foram listadas e muitas das avaliações precisam de ser actualizadas. Os esforços de conservação são ainda mais complicados pelo financiamento inadequado, a enorme quantidade de tempo necessária para avaliar manualmente uma espécie e a percepção do público favorecendo certas espécies de vertebrados em detrimento de plantas e fungos”, lê-se no comunicado de imprensa.

“A crise ambiental exige que tomemos medidas urgentes para conter a perda de biodiversidade. Precisamos usar todas as ferramentas à nossa disposição, como a estimativa e a automação, para produzir avaliações rápidas e robustas. A incorporação das plantas à Lista Vermelha é um dos passos vitais que os conservacionistas podem tomar para aumentar a consciencialização sobre as espécies em risco”, afirma Steven Bachman, líder da equipa de Avaliação e Análise de Conservação do Kew, citado no documento.

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Palmeira da espécie Syagrus flexuosa William Milliken/Kew

Dados para definir prioridades

A família de palmeiras (Arecaceae) ocorre em 227 regiões do planeta. Os cientistas e colaboradores do Jardim Botânico Kew estudam, há décadas, a diversidade genética e a utilização da planta. Este conhecimento é considerado essencial para os ecólogos definirem prioridades de conservação e contribuírem para estudos de risco de extinção global.

As áreas prioritárias para a conservação de palmeiras recaem sobre os seguintes países: Madagáscar, Papuásia-Nova Guiné, Filipinas, Havai, Bornéu, Jamaica, Vietname, Vanuatu, Nova Caledónia e Sulawesi. Estas regiões abrigam entre 12 e 291 espécies de palmeiras, onde mais de 40% das espécies evolutiva ou funcionalmente distintas podem estar ameaçadas.

As palmeiras selvagens não têm valor apenas à luz da biodiversidade. Estas plantas contribuem para o sustento de milhões de pessoas em todo o mundo, oferecendo materiais e recursos para a elaboração de abrigos, ferramentas, produtos alimentares e remédios. O estudo agora publicado revela ainda que pelo menos 185 espécies de palmeiras usadas como recursos pelas populações podem estar ameaçadas em 92 regiões.

Os novos dados apresentados permitem, sugerem os investigadores, que a definição de prioridades na área da conservação não descure o valor de cada espécie para o funcionamento do ecossistema e a própria subsistência humana.

“Até que as avaliações da Lista Vermelha estejam disponíveis para todas as espécies, as nossas previsões podem ser usadas para desenhar o planeamento e o investimento em conservação. As informações que fornecemos sobre a distinção e a utilidade evolutiva ou funcional de cada espécie podem ser usadas em conjunto com as previsões de risco de extinção”, acrescenta Sidonie Bellot ao PÚBLICO.

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