O arco-íris fica bem a Evenepoel

Vencedor da Vuelta dá título Mundial à Bélgica, ao fim de dez anos, arrasando na prova de fundo de elites de estrada marcada pela detenção de Van der Poel. Portugueses estiveram apagados.

Evenepoel provou o ouro nos Mundiais de estrada
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Evenepoel provou o ouro nos Mundiais de estrada EPA/DEAN LEWINS
Ciclista belga venceu de forma categórica
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Ciclista belga venceu de forma categórica EPA/DEAN LEWINS

Remco Evenepoel confirmou este domingo o seu destino, ao conquistar a camisola arco-íris na prova de fundo de elites dos Mundiais de ciclismo de estrada, após nova demonstração impressionante de talento, numa jornada “apagada” da selecção portuguesa.

Era um dos favoritos e o prodígio belga de 22 anos não defraudou: juntou-se aos fugitivos do dia, atacou a menos de 35 quilómetros da meta, levando apenas Alexey Lutsenko na roda, “descartou” o cazaque 10 quilómetros depois e não mais parou rumo ao ouro mundial, conquistado com uma vantagem “impensável” de 2m21s para o reduzido pelotão, “comandado” pelo francês Christophe Laporte e pelo australiano Michael Matthews, que ficaram com a prata e o bronze, respectivamente.

Na jornada em que o vencedor da Volta a Espanha confirmou o favoritismo, mas também o seu destino - tornou-se no segundo ciclista da história a juntar o título em elites ao conquistado em juniores (2018), sucedendo ao norte-americano Greg LeMond -, Portugal teve uma prestação modesta, com Nelson Oliveira, o mais experiente dos ciclistas nacionais, a ser o mais bem classificado, na 44.ª posição, a 3m01s do vencedor, e o “líder” João Almeida a ocupar um discreto 60.º lugar, a 5m16s.

“Foi uma época longa, é fantástico terminá-la assim. Estou superfeliz. Isto é algo com que sonhava. Agora, após um “monumento” [Liège-Bastogne-Liège], uma grande clássica [San Sebastian], uma “grande Volta”, o Mundial... ganhei tudo o que podia ganhar este ano. Penso que nunca terei uma época melhor do que esta”, resumiu.

O “show Remco” começou à entrada dos derradeiros 70 quilómetros dos 266,9 da prova de fundo de elites, quando um numeroso grupo, no qual o belga se incluía, saltou do pelotão para se juntar aos fugitivos que seguiam na frente.

Um momento de hesitação entre as principais selecções, algumas delas também representadas na fuga, bastou para que Evenepoel não mais fosse alcançado - a França, grande animadora da jornada, foi demasiado ingénua ao “autorizar” a presença do ciclista da Quick-Step no grupo da frente, onde seguiam, entre outros, Romain Bardet e Pavel Sivakov ou o australiano Jai Hindley, vencedor do Giro.

Com a situação de corrida a favor, o vencedor da Vuelta e medalha de bronze no “crono” dos Mundiais aguardou pelo momento certo para desferir um demolidor ataque no grupo da frente, a menos de 35 quilómetros da meta, ao qual só Lutsenko conseguiu responder.

Mas o jovem belga não queria companhia, e muito menos arriscar perder o ouro, e acelerou para distanciar-se do ciclista cazaque, lançando-se num verdadeiro contra-relógio até à meta, que cruzou com o tempo de 6h16m08s e com um dedo sobre os lábios, talvez em referência às inúmeras críticas que recebeu no ano passado, quando a Bélgica sofreu uma clamorosa derrota em casa, devido à luta de egos entre Evenepoel e Wout van Aert, outra “estrela maior” do pelotão, que terminou em quarto.

“Corremos realmente como equipa. Não interessava como, mas queríamos ser campeões do Mundo. Seria a oportunidade do Wout ou a minha, e a minha era atacar de longe e a do Wout seguir no grupo e depois ‘sprintar’. O ataque de longe compensou, mas merecíamos”, defendeu o primeiro belga a sagrar-se campeão mundial desde Philippe Gilbert, há 10 anos.

Com a camisola arco-íris entregue a Evenepoel, que somou a 15.ª vitória da temporada e a 37.ª da carreira, foi a luta pelas medalhas que animou o final da corrida: quando parecia que Lutsenko, o italiano Lorenzo Rota, o suíço Mauro Schmid e o dinamarquês Mattias Skjelmose discutiriam entre os restantes lugares do pódio, os “fugitivos” deixaram-se alcançar pelo mini-pelotão já com a meta à vista.

No “sprint”, levou a melhor Laporte, numa recompensa justa para a França, que tanto trabalhou para manter no corpo de um dos seus ciclistas a camisola arco-íris. Michael Matthews ficou com o bronze, dando uma alegria à nação organizadora e negando a medalha a Van Aert, enquanto o bicampeão Julian Alaphilippe foi apenas 51.º.

Van der Poel detido

Longe da discussão pelo título esteve Mathieu van der Poel, um dos grandes favoritos, que foi detido horas antes do início da prova, devido a uma altercação com duas adolescentes no hotel onde estava instalada a selecção dos Países Baixos, e desistiu quando estavam decorridos apenas 35 quilómetros. O neerlandês, uma das figuras do ciclismo mundial, explicou-se:

“Houve uma pequena discussão. Quis deitar-me cedo, mas havia muitos miúdos no corredor do hotel, que não paravam de bater à minha porta. A dada altura, fartei-me. Pedi-lhes, de forma muito simpática, que parassem. Foi então que a polícia foi chamada e me levou”, contou o corredor neerlandês aos jornalistas.

A polícia da Nova Gales do Sul (Austrália), sem nunca identificar Van der Poel, confirmou à agência France-Presse ter detido um homem de 27 anos, acusado de dois casos de “agressão” contra duas adolescentes, de 13 e 14 anos.

“Pelas 22h40, um homem esteve envolvido numa altercação verbal com duas adolescentes de 13 e 14 anos num hotel de Brighton-Le-Sands. De acordo com os factos presumidos, ele terá empurrado as duas adolescentes, tendo uma caído ao chão e outra sido projectada contra a parede, o que lhe causou um pequeno arranhão no cotovelo”, informou a polícia em comunicado.

Na mesma nota, a polícia do estado da costa leste australiana precisa que, na sequência do incidente, a direcção do hotel foi “informada” e, “de seguida, a polícia foi chamada”, com “um homem de 27 anos a ser detido pouco depois”, sendo levado para a esquadra de Kogarah, onde foi “acusado por dois casos de agressão”.

Libertado sob caução, Van der Poel deverá comparecer, na terça-feira, no tribunal de Sutherland, nos arredores de Sydney.

O duas vezes vencedor da Volta a Flandres e primeiro líder do Giro 2022 e um dos favoritos à conquista do arco-íris, Van der Poel disse aos jornalistas que regressou ao quarto às “quatro horas da madrugada”.

“Não é o ideal. É um desastre, mas não posso fazer nada. Darei o meu melhor”, acrescentou antes do arranque da prova de fundo, da qual desistiu por estar “mentalmente destruído”, segundo o manager da Alpecin.

Christoph Roodhooft notou que Van der Poel tinha muitas ambições para a prova, antes de revelar mais detalhes do incidente em que o corredor neerlandês esteve envolvido.

“O Mathieu foi deitar-se às 21 horas e à meia-noite ainda havia barulho. Os miúdos divertiam-se no corredor e batiam na porta. Ele saiu para dizer-lhes que parassem, mas evidentemente não da melhor maneira”, relatou, relevando que o ciclista “não conseguiu dormir” depois de regressar da esquadra.

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