Governo admite “mais respostas” para a crise energética e é “a favor da captura de ganhos excessivos”

O ministro do Ambiente garante que Portugal não irá opor-se a uma taxa sobre lucros extraordinários de empresas energéticas, se a mesma for proposta pela Comissão Europeia, mas lembra que o sector energético português já é chamado a pagar uma taxa extraordinária.

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Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente e da Acção Climática LUSA/ANTÓNIO PEDRO SANTOS

O Governo diz estar a “trabalhar para ter mais respostas” que mitiguem o impacto da subida acentuada dos preços da energia sobre as famílias e empresas, para além daquelas que já foram implementadas.

Em concreto, o Governo espera que haja soluções a nível europeu, como a fixação do preço do gás importado ou o desenvolvimento de uma plataforma de compras conjuntas deste combustível. E garante ser favorável a medidas como uma taxa sobre lucros extraordinários, mas ressalva que, em Portugal, o sector energético já paga uma contribuição extraordinária, o que poderá representar um entrave na aplicação de uma nova taxa.

As garantias foram dadas pelo ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, que falava numa audição conjunta das comissões parlamentares de Ambiente e Energia e de Assuntos Europeus. Em resposta às perguntas colocadas pelos deputados sobre o alcance e eficácia das medidas anunciadas até agora pelo Governo — onde se inclui, por exemplo, a possibilidade de regresso ao mercado regulado do gás sem penalizações, para cerca de 1,3 milhões de consumidores —, Duarte Cordeiro assegurou que o Governo está “a trabalhar para ter mais respostas”, mas admite que deverão chegar, sobretudo, a nível europeu.

“Tudo indica que, a 30 de Setembro, em conselho extraordinário sobre energia, os Estados-membros cheguem a um acordo sobre as medidas destinadas a este sector”, começou por dizer. “A nossa expectativa com o pacote europeu era que ele pudesse ir para além das medidas no nosso país. Temos a expectativa de que a Europa consiga fixar o preço do gás importado e gostávamos que a Europa fosse mais longe no desenvolvimento da plataforma de compras conjuntas, que também ajudaria na redução dos preços”, acrescentou.

Apesar de estar aberto a novas medidas, insistiu o ministro, o Governo já avançou com várias soluções, antecipando-se à Comissão Europeia. Assim, as respostas que agora serão criadas passarão por reavaliar as medidas já implementadas. “Estamos a perceber como podemos comparar as nossas medidas com as que a Comissão Europeia propõe, se é benéfico para nós alterar as medidas que temos, projectar medidas para o futuro, considerar novas medidas, nomeadamente taxas”, disse.

Em cima da mesa está, também, a implementação de uma taxa sobre os lucros considerados extraordinários das empresas de energia, uma medida que a presidente da Comissão Europeia já disse defender. Concretamente, Ursula von der Leyen avançou que a Comissão irá propor um “limite máximo para as receitas das empresas produtoras de electricidade com baixo teor de carbono, que não reflectem os seus custos de produção”, uma medida que também deverá aplicar-se sobre os “lucros inesperados das empresas de combustíveis fósseis”, incluindo petrolíferas e produtoras de gás.

Por cá, o Governo tem insistido que as medidas aplicadas até agora já contribuem para a diminuição dos lucros extraordinários das empresas energéticas. “Com o mecanismo ibérico de separação do preço do gás para não influir na determinação do preço da electricidade, temos hoje um sector das energias renováveis em que esses lucros não esperados estão a ser utilizados na diminuição geral dos preços dos consumidores”, disse recentemente o ministro das Finanças, Fernando Medina.

Seja como for, assegurou agora o ministro do Ambiente, o Governo não irá opor-se a esta taxa se a mesma for proposta a nível europeu, lembrando, ainda assim, que poderá haver entraves à sua aplicação. “Somos a favor deste tipo de intervenção. Somos a favor deste tipo de captura de ganhos excessivos e de mutualizar estes ganhos pelos vários consumidores e por todos aqueles que estão a sofrer com o aumento de preços”, resumiu Duarte Cordeiro.

Por outro lado, ressalvou, importa “perceber que temos uma situação fiscal diferente da de outros países”. Isto porque, em Portugal, já existe uma contribuição extraordinária sobre o sector energético (CESE), que não existe noutros Estados-membros. “Não sabemos como é que é feita a consideração da Comissão Europeia para os países que já têm contribuições extraordinárias. Ainda não sabemos o detalhe das propostas”, afirmou o ministro.

Governo estuda abrir tarifa regulada do gás a empresas do mercado liberalizado

Na mesma audição, Duarte Cordeiro adiantou que o Governo admite abrir o mercado regulado do gás natural aos comercializadores que actuam no mercado liberalizado, em resposta a uma proposta feita pela Iniciativa Liberal. Essa possibilidade, contudo, está a ser analisada junto do regulador do sector, uma vez que não é certo que haja capacidade — isto é, gás disponível — para alargar o mercado regulado a mais comercializadores.

“Não há capacidade para muitos comercializadores o fazerem [vender gás com tarifas reguladas], porque não têm gás disponível a esse preço. Há riscos no que diz respeito ao volume disponível para satisfazer essa pretensão”, começou por dizer o ministro do Ambiente.

Ainda assim, acrescentou, “já há um conjunto muito significativo” de comercializadores de último recurso (CUR, os operadores que fornecem gás natural a preços regulados aos consumidores finais) em Portugal. “Estamos a falar de um número significativo de empresas que o fazem, portanto, de alguma maneira, já existe concorrência dentro dos CUR”, considerou o ministro.

Mesmo assim, Duarte Cordeiro diz que o Governo está “a analisar com atenção” a proposta da Iniciativa Liberal e que essa análise está a ser feita juntamente com a Entidade Reguladora para os Serviços Energéticos (ERSE). “Há problemas de abastecimento de mercado e, eventualmente, haverá comercializadores a apresentarem tarifas equiparadas às reguladas”, apontou, detalhando que a medida implementada pelo Governo veio “aumentar as responsabilidades para quem já tinha a responsabilidade de financiar a tarifa regulada, ao alargar o mercado para um conjunto limitado de consumidores”. Ao fazer isso, “existe, da parte dessa entidade, a possibilidade de contestar a suas responsabilidades”.

Galp tem “obrigação legal de fornecer tarifa regulada"

Independentemente dos referidos “problemas de abastecimento de mercado”, o ministro do Ambiente frisou que a Galp, comercializadora cujo presidente executivo criticou a possibilidade de os clientes passarem para o mercado regulado do gás natural, tem “obrigação legal de fornecer tarifa regulada” neste mercado.

“Na nossa análise, a Galp tem obrigação legal de fornecer tarifa regulada [de gás natural]”, disse Duarte Cordeiro, acrescentando que essa obrigação não deverá dar direito a qualquer tipo de indemnização por possíveis perdas resultantes desta medida.

“O que pode acontecer é uma revisão da tarifa regulada. Se a Galp tiver alterações nos seus contratos, terá de as reflectir”, concluiu.

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