Doentes com risco de cancro hereditário que suprimem emoções têm menos suporte social

Quem recebe a notícia de que corre o risco de vir a ter cancro por causa dos seus genes e não exprime emoções está sujeito a um “maior sofrimento psicológico” e, indirectamente, beneficia de “menos suporte social”, concluiu um projecto desenvolvido pelo Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto.

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O risco de cancro hereditário é avaliado com testes de susceptibilidade genética DR/National Cancer Institute

A ideia do projecto Together passava por compreender como é que os pacientes e as famílias lidam emocionalmente com o risco de cancro hereditário desde o momento em que é realizado o teste de susceptibilidade genética. “Estas variantes genéticas são de transmissão hereditária, normalmente com 50% de risco de transmissão aos descendentes e, normalmente, os hospitais tratam o indivíduo, mas não se sabe o que é que o conhecimento desta variante genética implica na família, nos seus comportamentos e sentimentos”, observou à agência Lusa a coordenadora do serviço de psicologia do IPO do Porto, Eunice Silva.

Ao longo do projecto, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, e promovido pelo Centro de Psicologia da Universidade do Porto em parceria com o centro de investigação do IPO-Porto, foram desenvolvidos vários estudos, tendo por base inquéritos e entrevistas aos pacientes e às famílias, tendo um deles demonstrado claramente que não manifestar emoções resulta num sofrimento maior.

“As pessoas que mais suprimem as suas emoções e não encontram palavras para veicular o que estão a sentir têm mais sofrimento psicológico provocado pela problemática do risco e também, indirectamente, menos suporte social, o que acarreta maior sofrimento”, explicou Eunice Silva. Para a coordenadora, esta conclusão aponta para a necessidade de se utilizarem metodologias de avaliação “mais sistemáticas” do estado emocional das pessoas, oferecendo uma “oportunidade de a pessoa falar sobre isso”.

Nesse sentido, foi desenvolvido um “instrumento indicativo do nível emocional das pessoas” para que outros serviços e equipas de profissionais de saúde possam “dirigir os recursos para os pacientes que mais precisam”.

Eunice Silva alertou ainda para a necessidade de se promover literacia sobre esta variante genética, sublinhando que as pessoas com risco de cancro hereditário “não são doentes”, ainda que, na maioria das vezes, passem por processos igualmente dolorosos. “No fundo, não são doentes, mas têm de fazer coisas muito complicadas como exames ou retirar órgãos. Não são avaliados como doentes oncológicos, mas têm um risco, sofrimento e carga emocional como se fossem”, salientou.

Além de tentar perceber como é que os pacientes e as famílias lidam emocionalmente com o risco de cancro hereditário, a equipa quis compreender como é que os cuidados de saúde poderiam responder às necessidades e preferências psicossociais das mesmas. Os vários estudos desenvolvidos no decorrer do projecto demonstraram que as pessoas com risco de cancro hereditário valorizavam a “necessidade de ter apoio psicológico, de envolver a família e de serem acompanhados por um profissional de referência ao longo de todo o percurso”.

“Percebemos que mesmo as pessoas a quem não foi identificada a variante podem ter níveis importantes de sofrimento relacionados com isso”, observou a psicóloga, dando como exemplo o facto de um irmão ter a variante genética e outro não.

Os resultados obtidos ao longo dos três anos do projecto culminaram num “livro branco [white papper]”, intitulado Adaptação Psicológica da Pessoa e da Família ao Risco de Cancro Hereditário, que, simultaneamente, reúne toda a informação sobre o risco de cancro hereditário presente até ao momento na literatura, podendo ser utilizado “tanto pelas famílias como pelos profissionais de saúde”.

À Lusa, Eunice Silva adiantou ainda que no seguimento do Together, projecto que culminou em quatro artigos publicados, cinco dissertações de mestrado e dois prémios, foi submetido e aprovado um novo projecto, intitulado Play-the-oods, no qual está a ser trabalhada e desenvolvida uma ferramenta digital e lúdica para capacitar os pais a abordarem de forma “aberta e apropriada” o risco de cancro hereditário com os filhos.

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