“Putin falhará e a Ucrânia e a Europa prevalecerão”, promete Von der Leyen no discurso do estado da União Europeia

A União Europeia quer arrecadar mais de 140 milhões com o plano para tributar lucros extraordinários de empresas de energia.

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Von der Leyen no discurso sobre o estado da União Europeia Reuters/YVES HERMAN

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, prometeu esta quarta-feira responder com “coragem”, “solidariedade” e “determinação” à ameaça da Rússia, na sua guerra de agressão contra a Ucrânia, mas também contra “a economia, os valores e o futuro [da UE]”.

“Esta é uma guerra da autocracia contra a democracia – mas, com coragem e solidariedade, Putin falhará e a Ucrânia e a Europa prevalecerão”, declarou Ursula von der Leyen, acrescentando que desde que as tropas russas invadiram a Ucrânia a União Europeia “esteve à altura da ocasião”.

“A nossa resposta foi imediata, determinada e unida. Podemos estar orgulhosos”, disse a presidente da Comissão Europeia, que deu início ao seu discurso sobre o estado da União Europeia no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, dando as boas vindas à primeira-dama da Ucrânia, Olena Zelenska, convidada de honra do evento.

As duas viajarão juntas para Kiev ainda esta quarta-feira: Von der Leyen apresentará pessoalmente ao Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, um plano para apoiar a reconstrução das escolas do país, no valor de 100 milhões de euros, e outras ideias que passam pelo aproveitamento dos benefícios do mercado único europeu para “apoiar o crescimento económico e criar oportunidades”.

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Ursula von der Leyen com a primeira-dama da Ucrânia, Olena Zelenska, no Parlamento Europeu CHRISTOPHE PETIT TESSON/EPA

“Nunca na sua história o Parlamento Europeu debateu o estado da União Europeia com uma guerra a devastar o solo europeu”, assinalou a presidente do executivo comunitário, em que admitiu a gravidade da situação. “Sejamos muitos claros: está muita coisa em jogo. Não só para a Ucrânia, mas também para toda a Europa e para o mundo em geral”, afirmou Von der Leyen, repetindo que “a solidariedade da UE com a Ucrânia permanecerá inabalável”.

“Desde o primeiro dia, a Europa esteve ao lado da Ucrânia, com armas, com fundos, com hospitalidade para acolher os refugiados, e com as sanções mais pesadas que o mundo já conheceu”, lembrou a chefe do executivo comunitário, que mais uma vez desmontou a narrativa russa sobre o impacto das medidas punitivas adoptadas pela UE.

“O sector financeiro da Rússia está de rastos, e a indústria está numa situação crítica”, afirmou Von der Leyen, responsabilizando o Kremlin pelo “rumo devastador” da economia do país. “Esse é o preço a pagar pelo rasto de morte e destruição deixado por Putin”, avisou.

Mas ao mesmo tempo que garantiu que “as sanções estão para ficar”, porque “este não é o momento de apaziguamentos”, a presidente da Comissão Europeia reconheceu que há impactos negativos também do lado europeu, uma vez que a Rússia decidiu retaliar utilizando a energia como arma.

“Os meses que se avizinham não serão fáceis – nem para as famílias, que têm dificuldades em pagar as contas ao fim do mês, nem para as empresas, que se deparam com escolhas muito difíceis sobre o seu futuro”, realçou, dizendo compreender a “ansiedade” sentida por “milhões de famílias e empresas” que não sabem se conseguirão suportar as suas despesas no fim do mês. “Milhões de europeus precisam de ajuda.”

Por isso, a Comissão concebeu um pacote de emergência para fazer baixar os custos da energia e ajudar os consumidores mais vulneráveis, prosseguiu Von der Leyen, confirmando que entre as medidas que o executivo propõe está uma meta vinculativa para a redução da procura de electricidade nas horas de pico, e a limitação das receitas das empresas que produzem electricidade a baixo custo, e ainda das “grandes petrolíferas, de gás e carvão” — que “estão a ter lucros avultados e por conseguinte devem pagar uma quota justa”, defendeu.

A imposição de um tecto máximo para as receitas das chamadas “tecnologias inframarginais” de produção de electricidade (hídrica, eólica, solar ou nuclear) permitirá “angariar mais de 140 mil milhões de euros para os Estados-membros poderem atenuar os efeitos [da subida de preços] directamente”, estimou Von der Leyen.

Quanto à agora chamada “contribuição de crise” das empresas que recorrem a combustíveis fósseis, Von der Leyen deu poucos pormenores: caberá a cada Estado-membro materializar essa proposta, que na sua filosofia não difere muito da tributação sobre os lucros excessivos das empresas energéticas que vários Estados-membros já estão a aplicar.

A proposta da Comissão passa pela aplicação de uma taxa excepcional de 33% sobre os montantes acima dos 20% dos lucros médios dessas empresas nos últimos três anos. “Na nossa economia social de mercado, o lucro é algo positivo, mas, nos tempos que vivemos, não é correcto embolsar lucros extraordinários e sem precedentes em função da guerra e à custa dos consumidores. É o momento de partilhar estas receitas e canalizá-las para quem mais precisa”, defendeu a presidente da Comissão.

O pacote de medidas da Comissão — que ainda não está concluído, uma vez que ainda serão apresentadas propostas para ajudar as empresas de energia a enfrentar os seus problemas de liquidez nos mercados futuros da electricidade — será avaliado pelos Estados-membros numa nova reunião do Conselho de Energia da UE já agendado para o dia 30 de Setembro.

E é bem possível que os países introduzam várias emendas à proposta legislativa da Comissão, nomeadamente tornando voluntária, em vez de vinculativa, a meta de redução de 5% do consumo de electricidade nos horários de pico. “Reduzir a procura nas horas de ponta fará com que as reservas de gás [armazenadas pelos Estados-membros] durem mais e fará baixar os preços”, justificou Von der Leyen.

A presidente da Comissão reconhece a enormidade do desafio de elaborar uma resposta coordenada à crise energética: manter a unidade e coesão dos 27 na sua resposta à ameaça da Rússia, e evitar a fragmentação de medidas nacionais que podem comprometer o funcionamento do mercado interno. Todo o trabalho desenvolvido pelo executivo vai no sentido de proteger a população europeia da agressão da Rússia e de ajudar os grupos mais vulneráveis a lidar com os seus inevitáveis impactos, asseverou Von der Leyen.

Da mesma maneira que não desperdiçou a crise pandémica para promover a transição energética e digital, a Comissão Europeia quer usar o feitiço contra o feiticeiro, e “aproveitar” a decisão da Rússia de cortar o abastecimento de gás à Europa para convencer os Estados-membros a acelerar o investimento em renováveis e pôr fim à dependência de combustíveis fósseis. “A boa notícia é que esta transformação que é tão necessária já está em marcha”, disse Von der Leyen.

No entanto, para acelerar esse processo e promover os investimentos necessários, a presidente da Comissão Europeia anunciou várias novas iniciativas. Uma delas é a criação de um novo banco europeu do hidrogénio, que poderá mobilizar até três mil milhões de euros disponíveis no Fundo de Inovação da UE para “ajudar a construir o futuro mercado do hidrogénio”.

“Temos de passar de um mercado de nicho para um mercado de escala”, defendeu Ursula von der Leyen, explicando que a ideia é “estabelecer um criador de mercado para o hidrogénio, de modo a colmatar o défice de investimento e a relacionar a oferta e a procura futuras”.

Sem adiantar nem datas, nem montantes, a chefe do executivo prometeu ainda aumentar a participação financeira nos chamados “Projectos Importantes de Interesse Europeu Comum” e promover a criação de um novo Fundo Europeu de Soberania, para “garantir que o futuro da indústria se constrói na Europa”.

Outra iniciativa tem como objectivo o apoio às pequenas e médias empresas, para quem “a inflação e a incerteza são particularmente pesadas”, e que ainda enfrentam múltiplos obstáculos na sua actividade. A Comissão vai apresentar uma proposta para “um conjunto único de regras fiscais para o exercício de uma actividade empresarial na Europa” — com o nome BEFIT — e vai avançar com uma revisão da directiva sobre os atrasos de pagamentos. “Não é justo que uma em quatro falências se deva ao não pagamento atempado de facturas”, considerou Von der Leyen.

No rol dos anúncios feitos pela presidente da Comissão durante o SOTEU (discurso sobre o estado da União Europeia) destaque ainda para um novo “acto legislativo europeu sobre as matérias-primas essenciais” como o lítio ou as terras-raras, que representam um mercado global que nesta altura está dominado por um único player: a China. “Num futuro próximo, estas matérias-primas serão mais importantes do que o petróleo e o gás”, anteviu Von der Leyen, que espera que a UE aprenda as lições do passado e não fique dependente de um único fornecedor para o seu abastecimento.

Investir na democracia, combater a corrupção

No seu discurso sobre o estado da União Europeia, a presidente da Comissão apontou ainda para a urgência de um outro investimento que classificou como essencial. “Este momento crítico na política mundial exige que repensemos a nossa agenda de política externa”, considerou, frisando que “está na hora de investir no poder das democracias” — seja através do fortalecimento dos laços e do aprofundamento das parcerias da UE com os seus parceiros do continente, seja pela cooperação com os países aliados e o investimento em África ou na América Latina no âmbito da estratégia “Global Gateway”.

Ursula von der Leyen renovou a promessa europeia aos países candidatos à adesão ao bloco europeu e manifestou o seu apoio à ideia, originalmente lançada pelo Presidente de França, Emmanuel Macron, de criação de uma Comunidade Política Europeia para agregar todos os Estados europeus que partilham os mesmos valores e defendem “um sistema internacional de paz e segurança, justiça e progresso económico”. Uma primeira reunião dessa nova organização institucional está planeada para o dia 6 de Outubro, em Praga, na véspera de um Conselho Europeu informal na República Checa.

Depois, apresentou uma série de iniciativas para proteger as democracias europeias das “tentativas malignas” de potências estrangeiras que procuram interferir no sistema político europeu e intoxicar as instituições e a opinião pública — um pacote de Defesa da Democracia, para detectar influências estrangeiras dissimuladas e financiamentos duvidosos — e para proteger os princípios do Estado de direito dentro da UE, com o reforço dos instrumentos de combate à corrupção.

“No próximo ano, a Comissão apresentará medidas para actualizar o quadro legislativo europeu em matéria de luta contra a corrupção, de forma a sancionar com mais rigor crimes como o enriquecimento ilícito, o tráfico de influência e o abuso de poder. Além disso, vamos propor a inclusão da corrupção no regime de sanções em matéria de direitos humanos”, anunciou Von der Leyen.

A jornalista viajou a convite do Parlamento Europeu

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