Light & Magic, ou a magia pré-industrial

Lawrence Kasdan assina uma fascinante série documental sobre os anos em que a Industrial Light & Magic de George Lucas mudou a maneira de criar efeitos especiais. Na Disney +.

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George Lucas “inventar” imagens nunca antes vistas para "A Guerra das Estrelas" cortesia disney+

É muito fácil percorrer o menu da Disney+ e passar ao lado de um programa chamado Light & Magic – tão fácil como confundi-lo com um qualquer documentário de bastidores mais ou menos corporativo. Mas, tendo Light and Magic um pouco disso no seu ADN, o que se esconde por detrás deste título neutro é outra coisa: a história da Industrial Light & Magic (ILM), a pioneira oficina de efeitos especiais nascida da necessidade, em 1975, de George Lucas “inventar” imagens nunca antes vistas para A Guerra das Estrelas. Ao longo das duas décadas que se seguiram, a ILM tornou-se no “topo de gama” dos efeitos visuais de Hollywood.

Lawrence Kasdan – o argumentista de O Império Contra Ataca e Os Salteadores da Arca Perdida, realizador de Noites Escaldantes, Os Amigos de Alex e O Turista Acidental – assina a realização da série e a condução das entrevistas desta “história oral” (ou, vá lá, “audiovisual”) da ILM, contada cronologicamente por quem a viveu ao longo de seis episódios de uma hora. Começando por George Lucas e pela sua visão do “cinema digital” (hoje finalmente realidade), passando por realizadores que trabalharam com a ILM como James Cameron e, claro, Steven Spielberg, mas dando o grosso da palavra aos artistas “na sombra” que fizeram da companhia o que ela é hoje.

John Dykstra, Richard Edlund, Joe Johnston, Dennis Muren, Phil Tippett, John Knoll, Mark Dippé, Steve Williams são nomes que nada dirão ao comum dos espectadores, mas são venerados pelos apreciadores da bizarra combinação de arte e técnica, artesanato e linha de montagem, que são os efeitos visuais. E são eles as “vedetas” desta série que, mais do que simples “propaganda” aos serviços do estúdio da Lucasfilm, desenha a ascensão de uma “nova Hollywood” subterrânea mas em tudo equivalente aos “movie brats” que, aliás, lhes deram a oportunidade de ascender ao patamar superior.

Por isso, o mais fascinante em Light & Magic são as “histórias fundadoras” de um estúdio que fora criado para um único filme e que podia bem não ter futuro para lá dele. Sabia-se, apenas, que Lucas queria que A Guerra das Estrelas fosse tão verosímil quanto uma space opera pudesse ser. Para isso foi buscar uma série de carolas que trabalhavam noutras companhias (muitos dos quais já se conheciam) e garantiu-lhes um ano de trabalho. Pela sequela O Império Contra-Ataca, a (então já nomeada) ILM tinha pernas para andar.

Ao longo dos primeiros três episódios de Light & Magic, Kasdan articula uma memória calorosa e iridescente do momento em que os “putos”, quase sem o saber, destronaram o velho modo de criar ilusões e abriram uma nova maneira de deslumbrar o público, conjugando o poder da imaginação, a necessidade de mostrar o que se valia e as possibilidades abertas aos avanços da tecnologia.

Uma época que chega ao fim quando a ILM faz a transição do “analógico” para o “digital” com a chegada dos anos 1990, primeiro com o “metal líquido” do Exterminador Implacável 2 de Cameron, depois com os dinossáurios de Parque Jurássico de Spielberg. A história das pessoas que fizeram a ILM é também a história das tecnologias que vieram abanar a própria essência do cinema – e a melancolia que emana dos últimos dois episódios, com a compreensão de que a viragem para o digital iria implicar o despedimento de colegas e o encerramento de departamentos, é quase uma representação prática do stakhanovismo selvagem.

Light & Magic comprova que o período de ouro da ILM, à imagem do período de ouro de uma certa abordagem hollywoodiana ao cinema-espectáculo, termina em 1993 com Parque Jurássico. Daí para a frente (e apesar das contínuas inovações) a ILM deixa de ser “o” estúdio de efeitos visuais, passa a ser apenas “mais um” entre muitos.

O que ficou feito ao longo dos anos continua a ser de peso, claro mas não deixa de ser paradoxal que, no final da série, Steven Spielberg, Barry Jenkins e Jon Favreau, cada um por seu lado, tenham de recordar ao espectador que os efeitos de nada servem se não estiverem ao serviço da história que se quer contar. Uma lição que muitos, cineastas e estúdios, fariam bem em aprender.

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