Quase meio século depois, a Academia pediu desculpas a Sacheen Littlefeather, que foi receber (e declinar) o Óscar de Marlon Brando

Em 1973, a actriz e activista foi apupada durante a cerimónia de entrega dos Óscares e vilipendiada depois. Esta segunda-feira, foi anunciado um evento para a homenagear, acompanhado de um pedido de desculpas.

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Sacheen Littlefeather na cerimónia de 1973, com os actores Roger Moore e Liv Ullmann BETTMANN/GETTY IMAGES

Em 1973, Marlon Brando ganhou o Óscar de Melhor Actor pelo seu papel como Vito Corleone em O Padrinho. Mas não foi à cerimónia, nem quis receber a estatueta. Em sua representação, enviou então a actriz e activista Sacheen Littlefeather, a quem pediu que lesse um discurso que ele escrevera. O boicote ao prémio visava protestar contra o tratamento dado aos nativos americanos no cinema, frequentemente mostrados de forma negativa e sem muitas oportunidades para se representarem a si próprios nos ecrãs, quanto mais de contarem as suas histórias.

Quase 50 anos depois, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que organiza a cerimónia, veio esta segunda-feira anunciar um evento de “conversa, cura e celebração”, agendado para 17 de Setembro, com actuações de artistas nativo-americanos e produção de Bird Runningwater, ex-programador do Sundance Institute. E divulgou que pediu formalmente desculpa à actriz pela forma como foi tratada durante a cerimónia.

Na altura, Littlefeather subiu ao palco depois de Roger Moore e Liv Ullmann anunciarem o vencedor do Óscar de Melhor Actor. Envergando um vestido de camurça e mocassins tradicionais, a actriz falou durante apenas um minuto, sem tempo para ler o discurso todo. A sua aparição surpreendeu toda a gente que estava a ver o espectáculo. Numa sala quase totalmente composta por pessoas brancas, foi recebida com um misto de aplausos e apupos, tendo visto algumas pessoas a fazerem um gesto ofensivo para os índios americanos. Falou então do protesto em Wounded Knee, na Dakota do Sul, onde em 1890 teve lugar um histórico massacre, para criticar o tratamento das populações nativas pelo governo dos Estados Unidos.

Nos bastidores, um furibundo John Wayne, estrela de inúmeros westerns, terá sido impedido por seis seguranças de tirar a actriz de cima do palco à força. Sem chegar a pegar na estatueta, Littlefeather abandonou o palco. Depois do evento, vários rumores circularam sobre ela: que não seria realmente nativo-americana, que era namorada de Brando, entre outros.

A Academia recorda agora, em comunicado disponível no seu site oficial, que por causa desse acto simbólico a actriz viu a sua carreira “boicotada”, tendo sido ainda “atacada e assediada pessoalmente e discriminada ao longo dos últimos 50 anos”. O texto cita também uma carta assinada pelo agora ex-presidente da Academia, David Rubin, e enviada à actriz em Junho. “Os ataques que recebeu (...) foram despropositados e injustificáveis”, lê-se. “O fardo emocional que suportou e o custo [que o protesto representou] para a sua carreira na nossa indústria são irreparáveis. Há demasiado tempo que a coragem que demonstrou não é reconhecida.”

A reacção da actriz também vem citada no comunicado. Começa com o seguinte comentário: “Quanto ao pedido de desculpas da Academia, nós, os índios, somos pessoas muito pacientes – só se passaram 50 anos!”.

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