A execução do líder da Al-Qaeda no Afeganistão: alerta mofo!

Não foi um ataque à estrutura da Al-Qaeda que, dessa forma e do que se sabe, permanece intacta. O que seria uma boa notícia, não aconteceu

Chamava-se Ayman al-Zawahiri e era considerado o cérebro dos atentados de 11 de setembro de 2001. Era também o líder da Al-Qaeda. Foi morto na semana passada no Afeganistão, em Cabul, por dois mísseis Hellfire, disparados de um drone dos Estados Unidos da América.

O tempo anda muito depressa, mas há coisas que parecem estar sempre na mesma e que são imunes à sua passagem.

Qual foi o propósito declarado da intervenção das forças militares ocidentais, lideradas pelos EUA, no Afeganistão? Desmantelar a Al-Qaeda e retirar-lhe, como base operacional, o território daquele país. Recordar também as palavras de Joe Biden aquando da retirada das tropas no ano passado: “Que interesse temos no Afeganistão, agora que a Al-Qaeda se foi? Fomos para lá com o objetivo expresso de nos livrarmos da Al-Qaeda no Afeganistão. E conseguimos.” Este foi o reduto de explicação que Biden encontrou para a derrota militar, bastante evidente, dos EUA numa guerra da sua iniciativa.

Mas nem a isso se pode agarrar.

O líder da Al-Qaeda vivia uma vida aparentemente tranquila em Cabul. Foi numa ida à varanda do seu apartamento – habitual, de acordo com relatos militares - que foi atingido. A sua família parece residir oficialmente no Afeganistão. Será isto compatível com a declaração de objetivos cumpridos de Joe Biden? Diria que não.

Há quem felicite os Estados Unidos pela execução do líder da organização terrorista, mas deveria haver também quem os interrogasse: afinal para que serviu uma guerra, da qual saíram derrotados, e na qual perderam a vida dezenas de milhares de civis afegãos?

Este assunto tem a importância que lhe quisermos dar e a importância que entendermos merecerem as vidas perdidas no Afeganistão, durante a guerra, sobretudo as dos mais de 60 mil civis. Foi a invasão de um território que nunca mereceu a paixão do mundo ocidental e foram vidas que nunca tiveram a sua solidariedade.

Aos civis afegãos nunca foi reconhecido, na sua plenitude, o estatuto de vítimas ou de inocentes. O mal já está feito. É tarde para essa justiça e poucos lhe sentem a falta. Quem a tentou fazer, e lembro o jornalista Robert Fisk, foi punido e humilhado por isso. Eram tempos ingratos para quem queria defender os inocentes afegãos. Tudo o que contraditasse ou ofuscasse a legitimidade, que se queria sem limites, de quem tinha sido vítima nos atentados do 11 de setembro, não passava.

Uma execução militar feita, sem julgamento prévio, num país estrangeiro e à revelia deste e, já agora, sem autorização do Congresso. A legalidade desta execução parece não preocupar ninguém. Temos também o líder da Al-Qaeda que afinal residia num apartamento em Cabul. São notícias recentes mas estão impregnadas de mofo. Nada mudou. Também a execução de Ayman al-Zawahiri não determinará o fim da organização. É sabido que estas organizações estão preparadas para perdas deste tipo e para a respectiva substituição. Não foi um ataque à estrutura da Al-Qaeda que, dessa forma e do que se sabe, permanece intacta. O que seria uma boa notícia, não aconteceu.

Depois da invasão do Afeganistão tivemos a invasão do Iraque. Neste caso, muitas vozes se manifestaram contra, mas não as suficientes para serem ouvidas. Não se trata de constrangimento, é absolutamente miserável que tenha acontecido uma intervenção militar relativamente à qual os quatro protagonistas já assumiram em público o seu arrependimento. O lastro de morte aqui foi ainda maior e persiste. Mas a História escreveu-se depressa. Também na Palestina a chacina continua debaixo dos nossos olhos.

Não podemos confiar no nosso sentido de justiça. Ele deixa passar demasiadas atrocidades. Acordou para a invasão da Ucrânia. Ainda bem. Mas é um despertar seletivo e acrítico. Veja-se que não caiu bem o relatório da Amnistia Internacional que aponta falhas graves à defesa da Ucrânia. Assim não é sentido de justiça, é apenas um medíocre torcer pelo lado que se escolheu.

Queremos estar do lado dos bons, mas temos de fechar os olhos para realmente lhes chamarmos bons.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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