Greenwashing: a linha que separa as acções das intenções

Quando uma marca comunica que apoia uma causa devíamos entender, como consumidores, o que isso significa. Pode não reflectir automaticamente um apoio significante – uma coisa é apoiar na teoria, outra é apoiar na prática

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“De boas intenções está o inferno cheio” — e está de tal maneira cheio que já começaram a transbordar para as nossas redes sociais.

Todos os dias assistimos à proclamação de intenções verdes, ecológicas, sustentáveis e conscientes das marcas, mas raramente vemos acções que reflictam o impacto real dessas intenções. Nos tempos que correm uma marca não ter uma consciência ambiental ou social é equivalente a não ser digna, moralmente ou eticamente correcta. Estas causas ambientais e sociais são importantes e é essencial demonstrar apoio para educar a sociedade e/ou resolver problemas que se arrastam há anos, mas afinal qual é o problema destas marcas se alinharem com certas causas?

À custa deste alinhamento muitas acabam por cair no fosso das boas intenções, das causas convenientes e da hipocrisia, esquecendo-se que quanto mais cavam, mais se acabam por enterrar. Quando uma marca comunica que apoia uma causa devíamos entender, como consumidores, o que isso significa. Pode não reflectir automaticamente um apoio significante – uma coisa é apoiar na teoria, outra é apoiar na prática. Muitas lançam mensagens inspiradoras, imagens de apoio, patrocinam eventos, colaboram com celebridades e mesmo assim o seu apoio real é praticamente nulo. Devemos reconhecer que existem budgets para todo este show-off, para estas manipulações e fachadas. Devemos parar para observar e perceber quem é que realmente está a fazer o “trabalho de grupo” e quem é que no final vai aparecer com nome no trabalho.

Praticamente diariamente vejo estes exemplos, doações insignificantes a associações, post vazios a apelar à mudança de hábitos pessoais, presença em eventos, novas gamas de produtos, colaborações com influenciadores de todas as causas. Se me perguntarem se é isto que causa impacto e realmente contribui para uma mudança – diria que a única mudança que acontece aqui é da percepção da imagem da marca na mente do consumidor. Lá por se mudar um logótipo para um tom de verde e reconhecer os problemas que estão a nossa volta, não quer dizer que estas acções aconteçam. Agradar ao consumidor sempre foi uma prioridade: é o que traz dinheiro. Ainda mais agora que o consumidor tem preocupações sociais e ambientais, logo as marcas também têm que as ter (ou pelo menos aparentar que têm.)

A realidade é de que precisamos destas preocupações para progredir, mas não deveríamos exigir às empresas este mundo e o outro. Socialmente é instituído que temos de apoiar integralmente todas as boas causas, algo que apenas se reflecte num simples facto: ao apoiar todas não apoiamos verdadeiramente nenhuma. Para isso há que saber o que queremos exigir das marcas.

Valorizo os nomes que ao longo dos anos se mantêm fieis e alinhados com aquilo que lhes faz sentido, quer seja a emergência climática, a pobreza e a desigualdade social, a violência de género, inclusão social, etc. Este é o tipo de consistência e apoio que ajuda ao progresso. Não só é uma excelente estratégia porque solidifica a sua identidade, mas também porque as torna confiáveis. Pensemos em algumas das associações sem fins lucrativos em Portugal de diferentes áreas e olhemos para as suas listas de parceiros. Quantos deles identificam em comum?

Na sua grande maioria estas serão marcas muito grandes, mas que de sustentável e justas têm pouco. Distribuem estes apoios como se fossem sementes por um campo. Aquilo que não sabem é que lá por atirarem as sementes para um campo não é garantido que estas venham a germinar. E mesmo que germinem não garante que tenham força suficiente para crescer e dar frutos. Esta metáfora reflecte sobre o valor real por detrás de apoiar uma causa ou uma instituição. Não serve de nada um apoio singular se não existirem garantias que essas intenções se vão transformar em acções.

Se como consumidores temos o poder de votar com o nosso dinheiro, então também temos o dever de votar bem, de forma clara e coerente. Ignorar o bom trabalho que uns fazem todo o ano e apenas dar destaque as críticas quando uma outra põe o pé na poça, actualmente dá-lhes mais visibilidade que qualquer elogio possível. Gostamos de atirar pedras e é isso que vemos acontecer, escândalo atrás de escândalo.

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