A “amiga da onça” é uma cientista que quer proteger este animal

Patricia Saragüeta, cientista argentina que ajudou a sequenciar o genoma completo da onça-pintada pela primeira vez, esteve no Porto para dar uma palestra sobre a situação delicada da espécie.

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Uma onça-pintada AMANDA PEROBELLI/Reuters

A argentina Patricia Saragüeta descreve a onça-pintada, ou o jaguar (Panthera onca), como “o maior dos predadores” nos ecossistemas terrestres da América do Sul. Mas os tempos não são favoráveis para a espécie, que se encontra em perigo de extinção. “Há apenas 250 jaguares na Argentina”, estima a cientista, que também é poetisa e artista plástica.

A investigadora assinala que, “se esse animal corre perigo, todos os outros animais estão na mesma situação”. “Os grandes predadores têm de ser muito bem tratados. O ecossistema precisa deles, assim como precisa de todos os animais pequenos que eles comem. Precisa de equilíbrio”, explica, antes de se debruçar sobre aquilo que pode acontecer se a cadeia alimentar começar a perder elementos que ocupam o topo da pirâmide. “Se um ecossistema perde o predador mais importante, que no fundo é responsável por um controlo populacional, alguns animais mais pequenos podem expandir-se em demasia e levar a um esgotamento dos recursos do planeta.”

Patricia Saragüeta esteve em Portugal para dar, na última sexta-feira, uma palestra na Galeria da Biodiversidade (Porto), intitulada A Amiga da Onça. No evento, deu destaque a alguns projectos internacionais de conservação da natureza que têm surgido em anos recentes e que podem ajudar à preservação da Panthera onca. E falou da forma como ela própria tem estudado a espécie.

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Patricia Saragüeta Paulo Pimenta

Em 2017, a investigadora co-assinou, na revista científica Science Advances, um estudo de relevo, no âmbito do qual o genoma do jaguar foi sequenciado pela primeira vez. Conhecer o genoma de uma espécie (isto é, conhecer o conjunto das informações genéticas que caracterizam essa mesma espécie) é extremamente importante, pois pode resultar na identificação de ameaças, como mutações que podem interferir, por exemplo, com a resistência imunitária ou a reprodução.

O estudo de 2017, que juntou cientistas de sete países, incluindo Portugal (um dos autores é Agostinho Antunes, geneticista do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental, em Matosinhos), relacionou geneticamente cinco espécies do género Panthera: o jaguar, o leão (Panthera leo), o leopardo (Panthera pardus), o leopardo-das-neves (Panthera uncia) e o tigre (Panthera tigris). Percebeu-se que estas espécies tiveram um ancestral comum há cerca de 4,6 milhões de anos. Esse ancestral, que já se encontra extinto, seria muito parecido com o actual leopardo e terá habitado o continente asiático. Depois, as espécies descendentes ter-se-ão espalhado pelo planeta, colonizando a Europa, a África ou as Américas.

O jaguar, o maior felino das Américas, terá começado a encontrar problemas há cerca de 300 mil anos, quando, devido a alterações ambientais, terá havido uma redução das suas presas. Para sobreviver, o animal ter-se-á cruzado com o leão, o que terá facilitado a adaptação de uma das espécies (ou até mesmo de ambas) a um contexto novo e difícil. “Pode ter havido uma sobreposição física de habitat, que tenha facilitado esta troca de material genético entre diferentes espécies que agora se encontram totalmente separadas”, sugeria Agostinho Antunes ao PÚBLICO em 2017.

Patricia Saragüeta considera que, se queremos conhecer melhor e proteger espécies que se encontram ameaçadas, é essencial que sejam levados a cabo mais estudos genéticos como aquele em que teve a oportunidade de entrar. A argentina lamenta o facto de, no seu país de origem, o investimento na ciência ser ainda, na sua opinião, tímido.

Passando para outro tipo de questões, a investigadora sugere que “temos de repensar os termos que usamos na ciência”. “Utilizamos muitos termos que remetem para uma ideia de competição, como se tudo na natureza tivesse a ver com ganhar uma luta. O que é falso”, refere, destacando as relações simbióticas que podem ser observadas em muitos ecossistemas.

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A cientista e poetisa argentina deu uma palestra esta sexta-feira na Galeria da Biodiversidade, no Porto Paulo Pimenta

Sendo não apenas cientista como também poetisa, Patricia Saragüeta também enaltece o papel transformador da arte, que, diz, é “fundamental para sobrevivermos às condições do mundo”. A argentina é da opinião de que a demolição dos muros que separam a arte da ciência só seria benéfica, tanto para quem está de um dos lados da barricada como para quem está do outro.

A União Internacional para a Conservação da Natureza classifica os jaguares como animais “quase ameaçados”, devido a uma suspeita de declínio de 20-25% ao longo dos últimos 21 anos. Predadores de topo que desempenham serviços essenciais nos ecossistemas para os quais estão adaptados (como, por exemplo, controlo de doenças e populações de herbívoros), os jaguares são, actualmente, das espécies mais ameaçadas por perda de habitat, caça e diminuição das presas naturais.

A Amiga da Onça integrou o ciclo de programação Galeria Energia – Encontros entre arte, música, natureza e ciência, promovido pela Galeria Municipal do Porto.

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