A rede hospitalar pública e privada

A rede dos hospitais privados é uma mais-valia, que deve ser usada da melhor forma, bem regulada e supletiva dos serviços públicos oferecidos.

Várias são as vozes, que nos lembram a impressionante implantação em todo o país de novos hospitais privados. Não há cidade que se preze, que não tenha um hospital resplandecente, a apregoar eficiência e serviços de 24h, nos 7 dias da semana. Como em qualquer bom negócio, nasceram e multiplicaram-se como cogumelos, sem qualquer regulação quanto à sua necessidade e sem lhes ser exigido um quadro próprio mínimo, para o número de camas que se propunham abrir. Não tenho dúvidas de que a complexidade dos atos praticados nos hospitais privados aumentou muito, o que se reflete na sua autonomia para a prestação de cuidados assistenciais de qualidade. Também nos dizem, que os seguros de saúde cobrem cerca de 3 milhões de portugueses e na ADSE estarão cerca de 2,5 milhões de beneficiários. Metade dos portugueses teria assim os cuidados de saúde assegurados.

A crise das urgências, as obstétricas e as outras que se seguirão, não surpreendeu ninguém que tenha seguido a evolução do SNS nos últimos dez anos. A completa incapacidade de contratação no hospital público, aliada a concursos que negam qualquer intervenção aos diretores de serviço, que são os verdadeiros conhecedores das necessidades, levaram à fuga desenfreada para o hospital privado de especialistas de grande valor. Muitos foram à procura de melhores salários, que o SNS mantém cristalizados há cerca de 12 anos. Mas há alguns que mesmo assim teriam ficado, se a almejada vaga tivesse sido autorizada pela ARS e pelo Ministério das Finanças!

Depois, algumas mentes brilhantes acharam que talvez fosse melhor contratar tarefeiros especialistas para as escalas de urgência, porque assim se evitavam gastos sociais e subsídios de férias e de Natal. O próprio conceito de Serviço, como equipa inovadora, capaz de motivar um grupo coeso de vontades, foi-se perdendo por perda de uma massa crítica disponível. Até se esqueceram que os Serviços fazem muito mais coisas do que Urgência, técnicas e cirurgias!

Aqui chegados, os mesmos que nos trouxeram a este pântano relembram que “Portugal dispõe de uma rede de hospitais públicos e outra de hospitais privados”. Querem descansar-nos. Como mais de metade dos portugueses podem recorrer à privada, dado serem beneficiários de um seguro de saúde ou da ADSE, a crise resolve-se!

Nada é mais enganador. A missão e o propósito dos hospitais públicos e privados é distinta. Todos os dias, se recebem nos hospitais públicos doentes transferidos dos hospitais privados, porque a complexidade é demasiada, o plafond do seguro se esgotou ou surgiu um problema social inesperado. Ter o lucro como objetivo é a base de qualquer negócio, o que não é incompatível com a excelência dos cuidados assistenciais.

A rede dos hospitais privados é uma mais-valia, que deve ser usada da melhor forma, bem regulada e supletiva dos serviços públicos oferecidos.

É fundamental que não nos confundamos. Precisamos de um SNS forte, onde caibam todos os portugueses, como definiu António Arnaut, porque esta é talvez a maior obra da nossa democracia!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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