Afinal, quem manda nisto tudo (mesmo no ar)?

1. No passado dia 9 de Junho, o Diário da República publicou um despacho do Secretário de Estado da Juventude e do Desporto com o seguinte conteúdo: “1 — Pelos fundamentos e com base no conteúdo de toda a documentação constante do presente processo, não é renovado e considera -se cancelado, nos termos dos artigos 22.º e 23.º do Decreto-Lei n.º 248 -B/2008, de 31 de Dezembro, o estatuto de utilidade pública desportiva da Federação Portuguesa de Aeronáutica. 2 — O presente despacho produz efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2022. 1 de Junho de 2022.”

Resulta da sua fundamentação “que a Federação Portuguesa Aeronáutica não reúne as condições legais previstas na portaria e no decreto -lei acima identificados para efeitos de renovação do estatuto de utilidade pública desportiva, porquanto não deu cumprimento ao requisito legal previsto na subalínea iii) da alínea a) do artigo 2.º e na alínea e) do n.º 1 do artigo 13.º do RJFD e no artigo 3.º, n.º 1, alínea d) da Portaria n.º 345/20122, de 29 de Outubro, através da apresentação de documento comprovativo da representação em organização desportiva internacional reguladora da modalidade de Aeronáutica”.

Por outras palavras, não há estatuto de utilidade pública desportiva para uma federação desportiva que não esteja integrada na respectiva federação internacional. Independentemente do processado em concreto, que de todo desconhecemos, o despacho – em abstracto, em conformidade com a lei -, levanta uma questão das mais interessantes do nosso Direito do Desporto, incluindo a do relacionamento entre o direito estatal e o direito das federações desportivas internacionais. Vejamos mais de espaço.

2. O estatuto de utilidade pública desportiva – exclusivo de federações desportivas – traduz um vínculo, também de reconhecimento, entre o Estado e a federação desportiva. Para que esta última o venha a obter torna-se necessário cumprir um ainda significativo número de requisitos, sendo um precisamente o de, nos termos dos seus estatutos, representar a sua modalidade desportiva, ou conjunto de modalidades afins ou associadas, junto das organizações desportivas internacionais, bem como assegurar a participação competitiva das seleções nacionais.

Significa este estado de coisas que para o Estado não há federação desportiva sem que a mesma entidade não se encontre integrada na respectiva federação internacional.

Mas se é assim, como nos parece ser, quem é que tem a última vontade e competência para que uma federação nacional seja integrada numa internacional?

O Estado português não o tem certamente. Essa competência para integrar associados é exclusiva, então, das federações desportivas internacionais. E, a partir desta conclusão, tudo se projecta em consequências inesperadas para o cultor do direito e também da lógica. Não é, afinal, o Estado português que detém a última palavra sobre a concepção de uma federação desportiva nacional, nem sobre a atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva. Significa ainda que o exercício de poderes públicos por parte das federações nacionais – núcleo essencial do estatuto de utilidade pública – fica também na derradeira vontade federativa internacional.

4. E, bem vistas as coisas, se o Estado obriga as federações desportivas nacionais a integrar as internacionais, para que as reconheça e lhes atribua poderes de natureza pública, o Estado como que incorpora, no seu universo normativo, as normas das federações desportivas internacionais, que as nacionais têm de escrupulosamente respeitar sob pena de não serem integradas nessa organização.

5. O Estado normativamente encontra-se, por esta via, subjugado aos ditames normativos federativos internacionais? Sem limites?

josemeirim@gmail.com

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