Mais um tiro no Acordo de Paz da Colômbia

Ramiro Durán, ex-comandante das FARC e figura fundamental na negociação que levou ao fim do grupo guerrilheiro em 2016, foi morto por um franco-atirador.

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Iván Marquez, à esquerda, outro líder das FARC morto esta semana, numa imagem em Havana, durante a assinatura do Acordo de Paz de 2016 Reuters/STRINGER

Ronald Rojas, de seu nome de guerra ‘Ramiro Durán’, ex-comandante das desaparecidas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), negociador do Acordo de Paz de 2016 e uma das figuras mais destacadas no processo de reintegração na vida civil dos ex-combatentes, foi morto a tiro esta segunda-feira no departamento de Huila, no Oeste da Colômbia. Desde 2020 que denunciava as ameaças de morte que recebia até que alguém agora passou das palavras aos actos. Um franco-atirador assassinou-o na sua quinta, em Palermo.

A sua morte ocorre dias depois de as autoridades colombianas terem começado a investigar relatos dando conta da morte de Luciano Marín Arango, mais conhecido por ‘Iván Márquez’, outro antigo líder histórico das FARC que comandava um grupo dissidente das FARC. De acordo com o Presidente colombiano, Iván Duque, o antigo guerrilheiro estava “na Venezuela protegido por Nicolás Maduro”.

O acordo histórico de paz logrou pôr fim a um conflito que se estendia há quase seis décadas e previa a desmobilização da guerrilha e a integração dos seus elementos na vida civil. Márquez foi um dos guerrilheiros que se mostrou cada vez mais frustrado com os avanços lentos do Acordo de Paz, sobretudo pela ausência de garantias de segurança para os ex-combatentes, e voltou a pegar em armas, criando com outros dissidentes uma nova organização armada.

Outros líderes de grupos armados dissidentes das FARC, como Jesús Santrich, morto em Maio do ano passado, ou Hernán Darío Velásquez Saldarriaga, ‘El Paisa’, morto em Dezembro passado, foram alvo de operações com contornos nebulosos ao longo da fronteira venezuelana.

O chefe da missão das Nações Unidas na Colômbia, Carlos Ruiz Massieu, condenou e lamentou o “assassinato de Durán”, “um líder comprometido com o território, com o diálogo e com o processo de reincorporação” e insistiu na necessidade de “reforçar a segurança dos ex-combatentes e líderes da paz” para evitar casos e desfechos como este. Relembrou ainda o papel activo de Durán nas negociações de paz em Havana e como uma das figuras mais importantes na Mesa de Reintegração Autónoma, organização criada por militares insatisfeitos com o Comunes, o partido político herdeiro das FARC.

A sua morte acontece pouco tempo depois de ter denunciado aos meios de comunicação social que tanto ele como o resto dos combatentes que aproveitaram os acordos de paz haviam recebido repetidas ameaças de morte. Os ataques, alertou, costumavam atingir também os familiares e camponeses que colaboraram com as FARC.

“Os ataques não visam exclusivamente a comunidade reintegrada, mas também o universo de pessoas que gravitam ao nosso redor, como os colaboradores, como civis ou camponeses da região que nos fizeram um favor ou outro”, denunciou Durán numa entrevista ao jornal colombiano El Espectador, em Julho de 2020, depois de um massacre no município de Algeciras.

Mais de 320 dos 13.000 ex-membros das FARC que se desmobilizaram e entregaram as armas em 2017 foram assassinados segundo o Instituto de Estudo para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz). O Tribunal Constitucional decidiu, no início deste ano, que o fracasso do Governo do Presidente Iván Duque em proteger os guerrilheiros era uma violação da Constituição. O partido de extrema-direita de Duque, o Centro Democrático, sempre se afirmou como um feroz opositor do processo de paz.

“É indiscutível que hoje há mais signatários do Acordo de Paz que estão fora do partido anteriormente chamado de FARC. O universo de pessoas que hoje lutam para defender o que foi conquistado em Havana transcende um grupo político com um estatuto legal, que não acredito que venha a durar muitos pelos seus erros e estilos de resolver controvérsias, maltratando minorias dentro do próprio partido”, disse na altura Durán.

No entanto, reiterou, como já havia feito em outras ocasiões, o seu compromisso com a implementação do Acordo de Paz. “Declaro publicamente que os meus esforços, conhecimento e experiência continuarão comprometidos com a defesa do Acordo e a reintegração socioeconómica de ex-guerrilheiros. Para isso, estarei sempre pronto”, disse.

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