Onze “roladores” para um novo vinho da Pico Wines

Da Pico Wines novo blend das três castas nobres açorianas, numa marca que esteve emprestada a outro produtor das ilhas. Curioso, como diria um certo açoriano ilustre.

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Tudo começa e acaba no basalto negro do Pico, onde a pedra foi picada para fazer crescer em frechas videiras. DR

O que impressiona no universo dos vinhos do Pico – já vimos gente com lágrimas nos olhos – tudo começa e acaba no basalto negro do Pico, que é, apesar de tudo, o mais jovem solo das nove ilhas (1,2 milhões de anos, segundo estudos mais recentes). É de facto intrigante que alguém, vá saber-se porquê, tenha imaginado que seria possível picar a pedra e fazer crescer numa frecha uma videira. Depois vem a técnica dos currais para proteger as vinhas do vento e do mar salgado, a utilização das pedras como suporte das varras das videiras e como fonte de calor para amadurecer as uvas ou uma espécie de carris gravados ao longo de centenas de anos nos lajidos da Criação Velha e de Santa Luzia, que serviam para transportar as pipas quase até ao mar, onde aguardavam barcos que levariam o vinho do Pico para o resto do mundo. E dizemos quase porque, a dada altura, quando terminavam os tais carris era necessário fazer rolar as pipas até à borda d'água. Ora, a esses canais abertos pelo homem na rocha chamam-se rola pipas. Até para sair da ilha, os vinhos tinham de vencer a barreira da rocha.

Está bem de ver que não será necessário ter um QI muito alto em matéria de marketing para aceitar que uma marca chamada Rola Pipa faria todo o sentido. Essa marca existe há muito e é propriedade da cooperativa do Pico, a Pico Wines. Agora, um leitor mais atento aos vinhos dos Açores poderá dizer que já a viu no domínio de outro produtor. É verdade. Já foi usada pela Adega do Vulcão. A gente explica.

Nos Açores, registar uma marca é – dizem os operadores – um processo burocrático consideravelmente longo, tão longo que quando os produtores precisam de lançar rapidamente os seus vinhos não têm marcas autorizadas. Qual é a solução? Contar com a solidariedade de produtores que têm marcas registadas, mas que não estão em uso. E foi o que aconteceu aqui. A Adega do Vulcão (vinhos no Faial e no Pico) precisava de vender vinho e a Pico Wines cedeu a marca Rola Pipa por um determinado tempo. Hoje, a marca está de regresso à Pico Wines, com esta colheita de 2020. O processo pode parecer estranho – e confuso para os consumidores – mas não se pode dizer que não haja solidariedade entre produtores açorianos. Valha-nos isso.

A Pico Wines anda muito dinâmica. Depois de, numa parceria com a Abegoaria, ter criado o Euruptio (três varietais e um blend), lança agora o Rola Pipa 2020, que é um lote com as três castas nobres dos Açores: Verdelho, Arinto dos Açores e Terrantez do Pico. Apesar de as produções serem muito pequenas no sistema de produção em currais (médias entre 800 quilos e 1,2 toneladas por hectare nos anos em que os ciclones se desviam das ilhas), a Pico Wines é o maior produtor da região, pelo que consegue dispersar os seus stocks por diferentes marcas, ainda que com volumes relativamente pequenos. Com o Frei Gigante e com o Rola Pipa, passa agora a ter dois vinhos de lote com as referidas castas, sendo que este último acentua mais o carácter de vinho atlântico.

Como curiosidade, o contra-rótulo deste Rola Pipa volta, à semelhança de um espumante da Pico Wines, a registar os trabalhadores que participaram na sua criação. Neste caso são 11 roladores de pipas: Ana Rita Bouça, Ângela Pereira, Humberto Catraia, Jessica Lemos, Joseph Chacón, Nuno Silva, Herculano Fanta, Paula Vargas, Pedro Cavaleiro, Rita Rodrigues e Sara Jorge. Está bem visto. O enólogo não pode ser a única figura de cartaz numa garrafa.

Nome Rola Pipa 2020

Produtor Pico Wines

Castas Arinto dos Açores, Verdelho e Terrantez do Pico

Região Açores

Grau alcoólico 12,5 por cento

Preço (euros)

Pontuação 92

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova Mete-se o copo ao nariz e sente-se logo que nasceu à beira-mar, tal é a intensidade de iodo e salinidade que apresenta, à mistura com toques minerais e florais e frutados. Na boca, a acidez marcante, o volume de boca e o tal carácter salgado são a imagem de marca de um genuíno branco do Pico.

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