Fire Island: Jane Austen numa ilha de férias gay

O filme de Andrew Ahn escrito e protagonizado por Joel Kim Booster estreou-se no Disney+ no início do mês

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Margaret Cho, Tomás Matos, Bowen Yang, Joel Kim Booster e Matt Rogers em Fire Island, que leva Jane Austen para uma ilha que é um retiro gay DR

Desde o século XX que Fire Island, uma ilha em Long Island, Nova Iorque, é um cobiçado destino de férias gay. É agora o nome de um filme Andrew Ahn, escrito e protagonizado pelo cómico de stand-up Joel Kim Booster, livremente adaptado de Orgulho e Preconceito, de Jane Austen, romance que já foi a base de vários filmes e que ganha agora um toque queer e asiático. O filme, cujo conceito nasceu como uma série do defunto serviço de streaming Quibi – que acabou por ser gozado no produto final – e depois foi comprado pela Searchlight Pictures, estreou-se no Disney+ no início do mês.

Booster, que tem também um especial Netflix e uma nova série da Apple TV+ a sair este mês, é Noah, que, todos os anos, se junta ao melhor amigo, Howie, interpretado por Bowen Yang, uma das mais recentes estrelas em ascensão de Saturday Night Live, para ir à ilha acompanhado de um grupo de amigos. Apesar de serem demasiado pobres para poder lá ficar, são convidados todos os anos por Erin, uma mulher lésbica mais velha que trabalhou com eles num sítio de brunch em Brooklyn que comprou uma casa na ilha quando recebeu uma indemnização. Margaret Cho, cómica pioneira do início dos anos 1990, dá vida a Erin.

Noah, musculado e tonificado e com facilidade em encontrar homens, decide passar a semana a tentar fazer com que o mais tímido Howie tenha um caso com alguém, algo que acaba por se virar contra ele. Segue-se um conjunto de peripécias, noites em drogas, pretendentes ricos, preconceitos, auto-descoberta, muita piada (mas talvez menos do que aquilo de que Booster e Yang são capazes na sua comédia, de propósito), coração, melancolia, tiradas memoráveis, imitações de Marisa Tomei em O Meu Primo Vinny e até um Mr. Darcy na pessoa de Conrad Ricamora. O elenco, aliás, está recheado de caras pouco conhecidas a ter em conta, como Matt Rogers, co-apresentador de Las Culturistas, podcast de Yang, Tomás Matos ou Torian Miller.​

Em 1985, numa tira da sua série Dykes to Watch Out For, a cartoonista Alison Bechdel criou, inadvertidamente, um teste que se tornou um fenómeno. A ideia era comentar a falta de representação e protagonismo feminino e lésbico em filmes, com uma personagem a comentar com outra que só ia ver filmes em que houvesse pelo menos duas mulheres, que falassem entre elas sobre algo que não fosse um homem. Era só um diálogo, uma piada numa tira, não havia qualquer intenção de fazer um teste científico e vinculativo, mesmo que tenha acabado por ser interpretado assim.

Depois de Fire Island ter saído, Hanna Rosin, da revista New York, escreveu no Twitter que o filme falhava o teste. “Vamos ignorar os estereótipos lésbicos monótonos só porque rapazes asiáticos giros? Será isto vingança por todos aqueles anos do melhor amigo rapaz gay?” O entretanto apagado tweet, que ignorava o quão pouco se vê homens gay asiáticos no centro de filmes americanos (O Banquete de Casamento de Ang Lee, por exemplo, tem quase 30 anos), causou alguma polémica. Levou a própria Bechdel a adicionar, na mesma rede social, um corolário ao teste, referindo uma cena do filme: “Dois homens a falarem um com o outro sobre a protagonista feminina de uma história de Alice Munro num guião estruturado a partir de um romance de Jane Austen = aprovação”. O filme podia valer só por isso, mas vale por mais.

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