A natureza não se apressa

Ao treinar a atenção à experiência do momento presente com uma atitude aberta e curiosa, a que chamamos “mente de principiante”, a prática de mindfulness lembra-nos sistematicamente a importância de ser, deixando de lado o fazer.

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Lina Trochez/Unsplash

“A natureza não se apressa, no entanto, tudo se concretiza”, lembra-nos o filósofo Lao Tzu nas suas sábias palavras. Talvez seja essa a maior dádiva da natureza, a de impor o seu próprio ritmo ao dos ponteiros do relógio, mostrando-nos que existe nela um espaço sagrado onde as leis da produtividade, quer individual quer colectiva, não se aplicam, onde o tempo se suspende e podemos simplesmente existir num acto de simbiose e contemplação.

O efeito de deslumbramento, “awe” a nossa resposta emocional à percepção de estímulos vastos que transcendem os nossos quadros de referência que a imersão em cenários da natureza tem no indivíduo tem sido estudado, mostrando-nos que, nestas situações, o foco da nossa atenção se redirecciona do self e dos seus problemas para algo que é maior do que ele, não só promovendo o bem-estar geral, físico e mental, mas também comportamentos pró-sociais, como a generosidade, a compaixão e a tomada de decisão com maior preocupação ética (Piff et al., 2015).

Num estudo que procurou avaliar a activação de redes neuronais durante a exposição a três tipos de cenários, nomeadamente desencadeadores de deslumbramento, positivos e neutros, percebeu-se que, durante a exposição a estímulos indutores de deslumbramento, as zonas do cérebro ligadas ao processamento auto-referencial estavam menos activas nos participantes, dando-se um redução da sua percepção subjectiva do self (van Elk et al., 2019). A exposição à natureza parece igualmente reduzir emoções relacionadas com o stress, ansiedade e depressão (Bodin & Hartig, 2003; Mackay & Neill, 2010), mostrando-nos o importante papel da mesma na saúde emocional.

Este efeito da natureza no bem-estar humano pode ser tão ou mais reforçado quanto o envolvimento e a atenção do indivíduo durante a experiência, uma vez que, dessa forma, se promove a conexão entre ambos. Alunos que participaram de exercícios guiados de meditação mindfulness em cenários naturais evidenciaram estar mais conectados com a natureza do que os que haviam realizado apenas um exercício de relaxamento, mesmo estando os participantes dentro de casa com os olhos fechados (Aspy & Proeve, 2017).

Podemos dizer que a prática de atenção plena promove um encontro intencional, consciente e sereno com a realidade interna e externa. Ao treinar a atenção à experiência do momento presente com uma atitude aberta e curiosa, a que chamamos “mente de principiante”, a prática de mindfulness lembra-nos sistematicamente a importância de ser, deixando de lado o fazer. Permite-nos aprender a sair do piloto-automático e, com a continuidade, ganhar uma maior capacidade de estar atentos à vida no geral, aceitando gentilmente o que ela oferece, a cada momento, evoluindo-se de um estado de consciência transitório para o desenvolvimento de um traço estável, promotor da nossa felicidade.

Entrelaçar a natureza e o mindfulness parece, pois, inevitável. Não podemos ganhar uma maior consciência sobre nós próprios e sobre o mundo que nos envolve sem perceber e sentir gratidão por isso que estamos inevitavelmente ligados a tudo o que existe e que a natureza está em nós mesmo quando não a vemos ou tocamos directamente. Que, como nos ensina Thich Nhat Hanh, numa simples chávena de chá, bebemos o céu, a nuvem, a chuva, as folhas perfumadas que lhe deram origem. Que no acto de beber esse chá nos transformamos no próprio universo, reflectindo a sua luz. E que, assim, tudo se concretiza.

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