Manifesto pela líbido das mães

A maternidade acaba por surgir dissociada da sexualidade da mulher, como se a primeira a preenchesse de tal forma que esta deixaria de necessitar de outras dimensões para se sentir realizada.

Com a chegada de maio, o mês que se convencionou como o do materno, dou por mim, nos meus devaneios de mulher e psicoterapeuta a conjeturar sobre a forma como a moral judaico-cristã usurpou a líbido às mães.

Sim, estaremos perante uma usurpação! Às mães não parece ser permitido o desejo, os devaneios, os anseios e o prazer, nem mais nem menos sussurrado. Como se a maternidade anulasse a líbido e calasse a mulher.

Apesar dos avanços verificados nos últimos anos, no que concerne ao conceito da sexualidade, assistimos também a uma disseminação alarmante de valores ultraconservadores relativamente a esta, à relação sexual e às diferentes orientações sexuais.

Enfrentamos, como sociedade, inúmeros desafios no que representará uma vivência saudável da sexualidade, em todas as fases do ciclo de vida. Após a formação do casal, a chegada dos filhos, quer por via biológica, quer por via da adoção surge, de forma consensual na literatura, associada a uma diminuição da satisfação conjugal.

No imaginário coletivo, a maternidade ficaria assim reservada à pureza, ao cuidado, enlevo e dedicação ao filho. Nesta, não parece caber apetites ou prazeres do espírito e do corpo. A maternidade acaba por surgir dissociada da sexualidade da mulher, como se a primeira a preenchesse de tal forma que esta deixaria de necessitar de outras dimensões para se sentir realizada. O palco da maternidade anularia o palco do prazer.

A mulher/mãe emerge então como a guardiã dos filhos e do lar, sem individualidade, torna-se “a mãe” de alguém, que reprime os seus desejos, a sua energia vital e se anula.

Estas expetativas com base sociocultural, enraizadas nos papeis de género, reduzirão também a sexualidade ao ato sexual. A este estará associado o mito do menor desejo sexual das mulheres, um dos que mais tem percorrido as minhas consultas, nos últimos vinte anos.

Acredito que se confunde cansaço, por vezes extremo, com a responsabilidade quase total do cuidado dos filhos, da casa e de um outro emprego, com uma verdadeira ausência e/ou decréscimo da líbido. Esse sim, ajudará a explicar a diminuição de energia de muitas mulheres e uma menor predisposição para a sexualidade.

São as próprias mulheres a culparem-se, com base nestes estereótipos, assumindo que falham no seu papel por não estarem disponíveis para “cumprir a função conjugal”. Enquanto psicoterapeuta, tenho conhecido inúmeras mulheres para quem a sua sexualidade se resume a isto: servir o marido. Se não o conseguem manter satisfeito, não estão a ser competentes. Tal apresentará uma forte correlação com a diminuição da autoestima e da autoconfiança e um aumento da dependência emocional do parceiro.

A OMS define a saúde sexual como necessária para o bem-estar físico e psicológico. Uma sociedade com uma divisão de tarefas simétrica entre homens e mulheres tenderá a permitir, a todos, uma vivência mais plena e mais saudável da sexualidade.

Infelizmente os direitos sexuais das mulheres continuam a ser violados, no silêncio, na violência, na condenação do prazer, na subjugação e na ausência de escolha. O estigma da dominação masculina persiste ainda, com graves consequências para a saúde física e mental das mulheres.

Para quando uma sexualidade feminina independente dos desejos dos homens? Para quando o direito à líbido e aos orgasmos? Às relações sexuais quando se quer e não quando o homem assim o deseja? Para quando o direito a seduzir, a mostrar que se tem vontade, sem medo de ser sentida/interpretada pelo companheiro como vulgar?

Para quando o direito a valorizar e cuidar do corpo? O direito à masturbação como prática de autoconhecimento? O direito a conhecer a sua vagina e o potencial do seu clitóris? O direito a adquirir brinquedos sexuais, sem vergonha?

Neste mês de maio, proponho que proclamemos o direito das mulheres/mães à sexualidade, ao erotismo e à sensualidade, enquanto expressão vital de liberdade!

Proclamemos o direito a uma vida sexual plena, livre de preconceitos, discriminação e violência!

Este é um manifesto pela mulher total! Pela mulher que cada uma quiser ser! Com ou sem maternidade!

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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