O lado positivo do sofrimento mental

Sei que cada problema mental tem a sua especificidade. Ainda assim, a todos é transversal a emergência de uma fragilidade psicológica, que pode e deve ser convertida em força. A eliminação do estigma é fundamental. É preciso aprendermos a falar sobre as nossas dificuldades sem vergonhas, o que não significa que tenhamos de viver obcecados com o tema.

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Natalie Grainger/Unsplash

Há uns tempos, o conceito de saúde mental era para mim abstracto. Não é que não me interessasse pelo tema, mas a falta de uma experiência pessoal dificultava o meu entendimento, reduzindo a empatia sentida em relação a histórias de depressão e até de suicídio.

Hoje, o sentimento é completamente diferente. Depois de me ter sido diagnosticado um burnout, parece que um mundo novo se abriu à minha volta. Nunca pensei que, também eu, tivesse de recorrer a vários especialistas de saúde mental. Mas apesar de todos os momentos difíceis provocados pelo esgotamento psicológico que experienciei, consigo dizer, agora, que o que aconteceu acabou por ser positivo, abrindo portas a um maior autoconhecimento e não só.

Se quem me estiver a ler agora desconfiar que atravessa algo parecido, é importante que saiba que a recuperação não só é possível, mas também que poderá estar perante a oportunidade de curar feridas, do passado e do presente, que nem sabia que tinha. Na verdade, o meu burnout acabou por ser apenas a ponta do icebergue de todo um universo emocional que precisava há muito de ser organizado. O chamariz do meu esgotamento foi o stress extremo a que me submeti num trabalho, mas apenas e só o chamariz. Deixou vir ao de cima ansiedades mais encrustadas, que saíram, finalmente, de enxurrada, ganhando a oportunidade de serem abordadas com o devido contexto.

Sei que cada problema mental tem a sua especificidade. Ainda assim, a todos é transversal a emergência de uma fragilidade psicológica, que pode e deve ser convertida em força. A eliminação do estigma é fundamental. É preciso aprendermos a falar sobre as nossas dificuldades sem vergonhas, o que não significa que tenhamos de viver obcecados com o tema.

O mais bonito é que, quando comecei a falar, senti uma solidariedade imensa à minha volta, que surgiu dos lugares mais improváveis. Descobri que muitos também lidam com situações de depressão, recorrem a profissionais e a medicação, e isso levou-me a desenvolver uma nova empatia – e até cumplicidade – por quem enfrenta esta aventura difícil que é a vida. Paradoxalmente, apesar de corresponder a um estado eminentemente pessoal e, por isso mesmo, potencialmente egocêntrico, a vivência de um problema mental também nos permite prestar maior atenção aos outros, fortalecendo antigas e novas relações.

Procurar um especialista é obrigatório. Adiei, por preconceito, a ida a um psiquiatra – queria fugir à medicação –, mas hoje sei que um burnout exige esse acompanhamento especializado. Só a partir do momento em que fui a um psiquiatra é que comecei a ficar bem. Não adiem essa decisão, não desistam, não tenham medo, e procurem um profissional que seja diferente de vocês. No meu caso, pelo menos, só acertei à terceira tentativa, e tem sido interessante observar que, por ter um perfil bastante diferente do meu, não só no género, mas também na idade, o meu terapeuta me permite ver as coisas de outro prisma e com uma renovada sensibilidade.

Portugal é o segundo país da União Europeia com maior prevalência de doenças mentais e o quinto país da OCDE que mais consome ansiolíticos e antidepressivos. Li algures que a nossa cultura do fado – essa triste melancolia que caracteriza o imaginário português – é apontada por alguns peritos como um dos factores na origem destes números preocupantes. É curioso, porque sempre associei ao fado algo positivo. E a verdade é que, depois do que me aconteceu, não consigo se não ser optimista em relação a esse percurso. Foi duro – tem sido duro –, mas foi também a experiência que mais me fez crescer na vida e que me faz diariamente querer tornar-me em alguém melhor e mais capaz.

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