O insucesso do sucesso

O que nos oferece a investigação científica em Portugal é uma competição desenfreada por posições precárias, na sua maioria pouco ou nada relacionadas com o mérito individual.

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O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior esteve entregue a Manuel Heitor nos últimos seis anos, que amiúde se foi congratulando com as conquistas neste campo: a extinção de algumas tipologias de bolsas e, paralelamente, o reforço de áreas centrais de financiamento (bolsas de formação avançada, Concurso de Estímulo ao Emprego Científico, projectos, instituições e parcerias internacionais). O agora ex-ministro, contudo, foi afirmando ao longo do seu mandato que tais conquistas não eram suficientes para satisfazer as aspirações de quem faz investigação em Portugal. Como jovens investigadores, nada nos resta para além de louvar a honestidade, aproveitando a oportunidade para enumerar algumas das causas para a ineficácia das suas políticas científicas: o abuso do recurso à utilização de trabalho altamente qualificado sob a forma de bolsas não acabou, e a alegada tentativa de dignificação das carreiras dos investigadores doutorados não foi para além da criação de contratos a termo com taxas de aprovação reduzidas e do bloqueio da integração dos trabalhadores científicos nas universidades.

Em 2021, no debate O Protagonismo da Ciência, que integrou o programa É ou Não É, da RTP1, Manuel Heitor salientou a necessidade “de se fazer sempre mais”. Curiosamente, no mesmo debate encontrava-se Elvira Fortunato, que soubemos recentemente ter sido nomeada para a pasta da Ciência e Tecnologia. É inevitável que depositemos esperança no seu mandato, visto tratar-se de uma investigadora que conhecerá de perto as condições da produção científica nacional.

Tal como o ex-ministro, Elvira Fortunato reconheceu, nesse debate, o desenvolvimento da produção científica em Portugal, não obstante ter proposto uma ambígua associação entre essa conquista e um fenómeno que definiu como o “insucesso do sucesso”; além disso, pareceu confundir o trajecto opcional de internacionalização da carreira científica com o sacrifício de ter que emigrar, o que se traduziu em considerações particularmente problemáticas: “Se não se consegue, por alguma via, ter emprego ou arranjar emprego cá fora (sic), quer dizer, eu não vejo mal nenhum em que se tente arranjar um emprego [lá fora], se é esse o sonho da pessoa e é essa a sua ambição”.

Sem dúvida, a internacionalização da carreira científica deve ser um ensejo para qualquer investigador. O problema é que a ambição de quem produz ciência em Portugal se encontra presentemente circunscrita à mais primária das conquistas: a estabilidade profissional. O ser humano tem um tempo de vida limitado. Há similarmente um limite temporal entre a resignação a um contrato a termo e a necessidade de integração numa carreira científica estável. É apenas isso que pedimos: que o tempo entre a precariedade e a estabilidade profissional seja ponderado e adequado à nossa esperança média de vida.

Deverá haver um quadro crescente de competição por recursos humanos qualificados na academia, o que impreterivelmente oferece a oportunidade de progressivamente reivindicar mais e melhores condições de trabalho. O que nos oferece a investigação em Portugal é uma competição desenfreada por posições precárias, na sua maioria pouco ou nada relacionadas com o mérito individual.

Pedimos a Elvira Fortunato que calce agora os sapatos de cada um(a) de nós; pedimos que reflicta sobre a relação de um percurso profissional e uma carreira notáveis com a estabilidade do seu vínculo contratual; perguntamos se considera produção científica de excelência compatível com um ordenado a prazo. Não pretendemos que nos responda com palavras, antes aguardamos que esta Primavera não seja silenciosa e nos traga a oportunidade de trabalhar dignamente para elevar Portugal ao pódio do trabalho científico internacional.

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