Ir para fora, cá dentro

Os investimentos em curso na área das infraestruturas cicláveis - embora ainda longe do nível desejável - estão a criar uma rede de ciclovias e percursos para bicicleta adequados para a iniciação à prática do ciclismo de recreio

Um dos pioneiros do cicloturismo - o lendário “randonneur” Paul de Vivie, mais conhecido por Velocio - acreditava que o ato de pedalar é, antes de mais, interior. Quando desafiamos a distância, dizia, pedalamos em nós próprios. E é a descoberta, e a assimilação da paisagem interna - pelas sensações físicas, mas também mentais, que esta proporciona - que torna a fruição do percurso ciclável verdadeiramente inspiradora e transformadora.

E, se esta ideia ressoa particularmente em todos os que apreciam testar os limites do corpo e do espírito, percorrendo incontáveis quilómetros em estradas e trilhos, é inegável que nunca, como agora, a bicicleta teve tanto para oferecer a tanta gente. De facto, a pandemia trouxe uma vaga de circunstâncias com efeito perene nos quotidianos, mas também nas opções de mobilidade individual e nos tempos livres. Talvez por estarmos mais fechados nos edifícios, em reuniões online e teletrabalho, verificou-se um incremento notório da procura e uso da bicicleta, como veículo privilegiado para usufruir do ar livre, e da paisagem externa, de que tanto precisamos para o equilíbrio interior.

Simultaneamente, os investimentos em curso na área das infraestruturas cicláveis - embora ainda longe do nível desejável, em qualidade e quantidade - estão a criar uma rede de ciclovias e percursos para bicicleta adequados para a iniciação à prática do ciclismo de recreio. Mais do que nunca, hotéis, restaurantes e operadores turísticos estão atentos a este setor, que promove a sustentabilidade económica e ambiental, a economia circular e a coesão regional, em particular nos territórios do interior. Haja visão e capacidade política para, em linha com os preceitos da Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Ciclável (ENMAC), o país aplicar as verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e dos fundos europeus de coesão 2021-2027 em soluções de futuro, no qual a bicicleta terá um papel mais importante do que muitos julgam.

Com a iniciativa Cyclin’ Portugal, a Federação Portuguesa de Ciclismo contribui para a afirmação da modalidade, consolidando a oferta de percursos cicláveis, articulando-a com a realização de eventos e estágios desportivos, e também na mobilização e sensibilização de profissionais da área. Foi neste âmbito que se enquadrou a realização do III Fórum Cyclin’ Portugal, que juntou em Castelo de Vide e Marvão participantes de todo o país, numa parceria com o Turismo do Alentejo e Ribatejo. O Fórum foi o momento escolhido para apresentar o Anuário Cyclin’ Portugal, cuja versão digital fica disponível gratuitamente.

Não constituirá surpresa que 2022 seja o melhor ano de sempre para pedalar em Portugal. Importa relembrar, contudo, que a capacitação das gentes e a adaptação dos territórios é um processo progressivo, e que os resultados surgirão de forma lenta, e não imediatamente. O turismo com bicicleta tem, em Portugal, um futuro brilhante pela frente, mas apenas se houver consistência de políticas de desenvolvimento.

Apesar de ter mais de uma vintena de anos, o mote “vá para fora cá dentro” continua mais atual que nunca, e com várias leituras, especialmente no turismo com bicicleta, como nos lembra Velocio. Com efeito, a bicicleta é uma máquina que mantém o poder de nos transportar de várias formas....

Do que está à espera? Venha daí!

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