António Cerejeira Fontes sobre as capelas Imaculada e Cheia de Graça: a arquitectura pode apelar a todos os sentidos

O podcast No País dos Arquitectos é um dos parceiros da Rede PÚBLICO.

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Nelson Garrido

O podcast No País dos Arquitectos está de regresso com uma terceira temporada. No 32.º episódio, Sara Nunes, da produtora de filmes de arquitectura Building Pictures, conversa com o arquitecto António Cerejeira Fontes sobre as capelas Imaculada e Cheia de Graça, integradas no Seminário de Nossa Senhora da Conceição, em Braga. O projecto das capelas é do gabinete Cerejeira Fontes Arquitetos, onde os irmãos António e André Cerejeira Fontes trabalharam em estreita colaboração com carpinteiros e escultores.

A Capela Imaculada foi construída após a Segunda Guerra Mundial e apresentava sinais de degradação ao nível das suas estruturas e materiais. A intervenção que começou a ser delineada em 2014 tinha dois objectivos: reabilitar a Capela Imaculada e criar uma capela ajustada à comunidade residente. Daí resultou a Capela Cheia de Graça, que se insere na Capela Imaculada da Conceição, em Braga.

A Capela Imaculada, de maior dimensão, apresenta uma abóbada de betão, que é suportada por uma estrutura em aço quase imperceptível a quem observa, dando a sensação que se encontra suspensa. Bastante austera, esta capela aproveitou o pé direito total do espaço de intervenção e as paredes exteriores do mesmo. No extremo desta nave, junto à entrada, eleva-se uma estrutura de madeira, que filtra o acesso ao espaço da celebração. É aí que está a Capela Cheia de Graça.

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De menor dimensão, esta encontra-se sobrelevada em relação à Capela Imaculada e tem uma passagem privilegiada para o piso superior. Graças à floresta de pilares em madeira, a Capela Cheia de Graça aparece como uma clareira para a celebração da fé. A estrutura de forma cilíndrica confere, simultaneamente, privacidade e permeabilidade ao espaço envolvente: “A vontade foi encontrar um espaço que tivesse a capacidade de despertar esta dimensão espiritual dos alunos do seminário, numa ligação claríssima àquilo que é a visão actual da dimensão de Deus. Foi com esse intuito que se entendeu que se devia fazer uma capela mais pequena dentro de uma capela maior e que devia haver uma relação sempre de pertença entre uma e outra”, descreve o arquitecto.

Importa acrescentar que este é um espaço reservado aos habitantes do seminário, por isso as visitas à Capela Imaculada ocorrem quando a Capela Cheia de Graça não está a ser utilizada pelos estudantes.

Assente no princípio de uma capela aberta a todos, o ambão foi colocado no centro da assembleia litúrgica e a celebração passa a ser um “espaço partilhado entre todos”, onde as hierarquias se diluem com o celebrante no meio das pessoas. Partindo ainda do princípio que habitar significa “ocupar espaço no tempo”, o arquitecto realça, neste contexto, o uso de materiais transparentes e honestos: “Quando somos confrontados com a brutalidade dos materiais na sua essência percebe-se que a pedra é pedra e a madeira é madeira. Nenhum deles é transformado para parecer outra coisa.”

António Cerejeira Fontes acredita que a forma e a organização do espaço litúrgico influenciam as pessoas “de forma simbólica”. Embora as capelas sejam habitualmente lugares escuros, o arquitecto criou, neste projecto, momentos de luz e de sombra para permitir ao visitante entregar-se à dimensão dos sentidos. Esse carácter mais espiritual foi também explorado no uso da madeira, dando grande ênfase às suas características estruturais, estéticas e olfactivas: “O perfume da madeira é um aspecto muito importante. Os cheiros são muito importantes. Aliás, a memória que nós temos mais fortes é a olfactiva. (...) Desde o Renascimento que existe uma prioridade dada à visão, mas isso é uma visão muito redutora da arquitectura.”

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Em dado momento da entrevista, o arquitecto António Cerejeira Fontes fala sobre o teórico Juhani Pallasmaa e a experiência sensorial proporcionada pela arquitectura: “Só conseguimos começar a ver quando desligamos a visão e passamos a entender os outros sentidos: o tacto, o olfacto, o paladar... a arquitectura precisa disso. Quando damos tempo para que o olfacto, o tacto e o paladar apareçam... isso significa que reduzimos velocidade, que ficamos mais tempo lá e que passamos a ter uma compreensão muito mais comprometida com o sítio.”

Este fluxo contínuo do tempo é compreendido pela própria liturgia e, para o arquitecto António Cerejeira Fontes, é um elemento que deve ser valorizado na arquitectura, de forma geral, e na arquitectura sagrada, em particular: “Uma das variáveis mais importantes que a arquitectura vai desprezando é a perspectiva do tempo, a noção do tempo. O tempo tem uma influência muito grande. O arquitecto Távora dizia de forma engraçada, ou de forma sintética: ‘Os arquitectos têm a perspectiva de continuar inovando. Ou seja, pega-se na herança daquilo que nós recebemos e continuamos a inovar, mas nunca perdendo este pé com aquilo que nos chegou até agora’. E essa perspectiva do tempo é muito importante porque nós só conseguimos criar o futuro conhecendo o passado.”

Sabe-se que a arquitectura de cariz religioso tem passado por muitas transformações, mas não é possível nem recomendável que se faça um corte com o passado: “Se não compreendermos como se ocupa espaço no tempo nunca se pode fazer arquitectura porque ela perde a capacidade de dar resposta àquilo que é a base ou a génese da arquitectura. E num espaço religioso ainda mais presente está a questão do tempo. O tempo é um dos símbolos a que nós nos podemos amarrar, fugindo da inspiração que às vezes não nos traz nada. O tempo dá-nos, sim, o conhecimento e pode trazer informações absolutamente importantes quando imaginamos um edifício como uma igreja”, refere o arquitecto.


No País dos Arquitectos é um dos podcasts da Rede PÚBLICO. Produzido pela Building Pictures, criada com a missão de aproximar as pessoas da arquitectura, é um território onde as conversas de arquitectura são uma oportunidade para conhecer os arquitectos, os projectos e as histórias por detrás da arquitectura portuguesa de referência.

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