Escultura perdida de Canova que há 20 anos custou seis mil euros vai a leilão por seis milhões

Se as expectativas da Christie’s se cumprirem, a obra do célebre escultor italiano será vendida por um valor pelo menos mil vezes superior ao que por ela pagaram os seus actuais donos. Há décadas que os historiadores de arte procuravam esta Madalena.

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Maddalena Giacente (1819-1822), de Antonio Canova, já preparada para receber o público em Londres HENRY NICHOLLS/reuters

Antonio Canova terminou-a nos últimos meses da sua vida, no Verão de 1822, mas o seu encomendador, o então primeiro-ministro britânico Robert Jenkinson, só a recebeu um mês depois da morte do célebre escultor italiano. Maddalena Giacente (Madalena Reclinada) permaneceu nas mãos da família deste aristocrata, que respondia pelo título de Lord Liverpool, até que a sua casa e boa parte do recheio foram vendidos.

Foram precisas décadas para que esta escultura em mármore representando uma jovem mulher de longos cabelos e com o tronco nu fosse de novo associada a Canova (1757-1822). Vendida várias vezes nos seus 200 anos de vida, Maddalena Giacente gozava há muito do estatuto de obra-prima perdida.

“Há décadas que os académicos procuravam esta escultura, e é por isso que a sua descoberta é de grande importância para a história do coleccionismo e para a história de arte”, disse Mario Guderzo, autor de vários livros sobre o escultor neoclássico e antigo director do Museu Antonio Canova de Possagno, Itália. A instituição guarda o molde em gesso que deu origem à obra em mármore que a leiloeira Christie’s vai levar à praça em Londres, no próximo Verão, por um valor base de seis milhões de euros, mas estimando que chegue à fasquia dos 9,4 milhões e a possa até ultrapassar.

“[Esta redescoberta] encerra uma história muito particular, digna de um romance: a de um mármore de significativo valor histórico e grande beleza estética produzido por Canova nos últimos anos da sua actividade artística”, acrescentou Guderzo, aqui citado pela própria Christie’s no comunicado em que torna pública a reatribuição da escultura ao artista italiano e anuncia o leilão de 7 de Julho.

Para o responsável pelo departamento de escultura da leiloeira, Donald Johnston, a reatribuição a Canova desta obra cuja encomenda, dada a ligação a uma figura tão importante na sociedade do seu tempo como Lord Liverpool, está muito bem documentada, é “mais um testemunho do amor que os coleccionadores britânicos sempre mostraram pelo trabalho deste artista neoclássico”.

Meio século ao ar livre

Lord Liverpool, em cujo governo foi fundada a National Gallery, morreu apenas seis anos depois de Canova, deixando a Madalena Giacente na posse do seu irmão, Charles. Após a morte deste último, a escultura foi levada a leilão, em 1852. Quatro anos mais tarde, já integrada na colecção de Lord Ward, foi de novo exposta em Londres e, em 1857, em Manchester. Confiada ao herdeiro deste aristocrata, que se viu forçada a vendê-la em 1920, viria a perder, depois, a sua ligação a Antonio Canova. Em 1938, ano em que foi de novo posta à venda, era já descrita como uma “figura clássica”, pode ler-se no comunicado da leiloeira. Comprada, então, pela empresária e coleccionadora de arte Violet van der Elst, reconhecida pelo seu activismo na luta contra a pena de morte, voltou a mudar de mãos no final da década de 50.

Em 2002 foi comprada por seis mil euros pelos actuais donos, um casal britânico, segundo o jornal Financial Times, numa venda de esculturas e arquitecturas de jardim. Tinha passado mais de 50 anos ao ar livre.

Mas a autoria desta Madalena “num estado de êxtase” (a descrição é do comunicado da leiloeira) só recentemente foi reatribuída a António Canova, o artista que representou Napoleão nu ou nos deixou aquela que é, talvez, a mais célebre versão escultórica do poder do amor (Psyché ranimée par le baiser de l’Amour, Museu do Louvre). E essa reatribuição fez disparar a sua cotação, como seria de esperar, indo à praça por um valor base mil vezes superior ao que foi pago em 2002.

Maddalena Giacente (1819-1822) estará exposta na sede da Christie’s em Londres este fim-de-semana e depois seguirá para Nova Iorque (8 a 13 de Abril) e Hong Kong (27 de Maio a 1 de Junho), regressando à capital inglesa muito a tempo do leilão de 7 de Julho, e quase 200 anos depois da morte de Antonio Canova.

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