PEPAC, o sistema operativo da 2ª ruralidade

Qual a estrutura de gestão do PEPAC que, no terreno, melhor poderá responder a esta transição difícil ?

Na década que se avizinha, para lá da gestão corrente de meios financeiros volumosos e do ruído habitual da sua distribuição político-corporativa, o sistema operativo do PEPAC (o programa específico de gestão da PAC-Política Agrícola Comum) deverá responder a três desafios fundamentais: como compatibilizar a emergência climática com as reformas estruturais do nosso rural tardio; como responder às reivindicações e ao nervosismo crescente dos lobbies do mundo rural, confrontados, em alguns casos, com a sua própria sobrevivência; e, por último, qual a estrutura de gestão do PEPAC que, no terreno, melhor poderá responder a esta transição difícil para uma segunda ruralidade?

Na linha de partida para mais um período de execução de fundos europeus, quero crer que a abordagem desta transição pode ser realizada por via de um triângulo virtuoso. Uma via intermunicipal operada pelas CIM, através da sua base de novas atribuições e competências; uma via privada e empresarial com base na articulação entre agricultura, ambiente e alimentação (o modelo AAA); e uma terceira via, mais territorial e colaborativa, a via das ações integradas de base territorial (AIBT) e da inteligência coletiva territorial (ICT). Será da convergência destas três vias ou modelos – CIM, AAA, AIBT - que se fará a melhor abordagem da transição para a 2.ª ruralidade.

As CIM, um ator-rede inteligente e colaborativo

Já estão aí o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e o quadro comunitário de apoio (PT 2030) com meios financeiros substanciais para preparar as diversas economias locais e regionais e as respetivas estratégias de recuperação e desenvolvimento que são necessárias. Agora que se discute a descentralização e a transferência de competências para as CIM, lembremos as suas funções essenciais:

  • A oferta de mobilidade suave e transportes públicos intermunicipais;
  • A oferta de infraestrutura digital, rede e prestação de serviços digitais;
  • A coordenação de medidas contra as alterações climáticas e a pegada ecológica;
  • A coordenação do abastecimento intermunicipal de alimentos;
  • A coordenação da rede de cuidados continuados e serviços de apoio domiciliário;
  • A coordenação da rede de serviços culturais, lazer e recreio e terapêuticos;
  • A oferta de rede de serviços de segurança e proteção civil contra acidentes graves;
  • A oferta da rede de lojas do cidadão e outros serviços telemáticos;
  • A coordenação da rede de serviços de ensino e formação profissional;
  • A oferta de infraestruturas e equipamentos de acolhimento de jovens empreendedores.

Todos estes serviços podem ser objeto de uma gestão agrupada no plano intermunicipal. Não é uma tarefa fácil, mas é uma tarefa que vale a pena realizar pelos efeitos externos positivos e serviços de rede que a CIM cria e projeta sobre o rural remoto e profundo. De resto, toda a micro e pequena agricultura de base familiar pode beneficiar desta economia de bens comuns proporcionada pelas CIM.

O modelo AAA, a articulação das agriculturas locais e regionais

Se pensarmos no pacto ecológico europeu, na reforma da PAC, na descarbonização e transição energética e no plano de ação digital, abrem-se grandes transformações para diversificar e consolidar a rede das agriculturas locais e regionais. Por outro lado, devido à mobilidade e ao teletrabalho, aos espaços de coworking, aos projetos empresariais colaborativos, mas, também, a opções familiares por novos estilos de vida, as organizações do país do interior têm à sua frente uma oportunidade única de promover a vinda de gente jovem qualificada para o chamado rural remoto e profundo.

Assim, trata-se de promover a cooperação de iniciativas empresariais, de novas fileiras e cadeias de valor, de projetos de trabalho em comum e novos percursos de vida a caminho da 2ª ruralidade. Estou a falar de plataformas de cooperação e entreajuda que articulem a variedade de modos de agricultura do modelo AAA (agricultura, ambiente, alimentação). Ou seja, trata-se de fazer a cartografia do território no que diz respeito aos seus projetos empresariais, maiores e mais pequenos, e a partir daí desenhar uma rede de mercados locais e regionais e uma rede de cooperação e extensão agro rural. E essa cartografia, que pode ser liderada pelas direções regionais de agricultura (DRA), deve considerar:

  • As agriculturas de base empresarial, capitalizadas, digitalizadas e sustentáveis;
  • As agriculturas de base cooperativa e associativa (os regadios coletivos);
  • As agriculturas especializadas que recorrem a tecnologias sem solo;
  • As agriculturas especializadas, em sistemas alternativos de produção;
  • As agriculturas comunitárias de proximidade em área urbanas e periurbanas;
  • As agriculturas de nicho, com denominação de origem e/ou indicação geográfica;
  • As agriculturas agro-silvo-pastoris de montado, de base extensiva e multifuncional;
  • As agriculturas integradas em terroirs vinhateiros e áreas de turismo rural;
  • As pequenas agriculturas acompanhadas pela comunidade e institucionalizadas;
  • As agriculturas regenerativas ligadas à bio economia e economia circular.

O alinhamento destas agriculturas tem uma finalidade relevante, qual seja a de reunir capital humano bastante para formar uma rede de extensão e cooperação rural. Há bastante conhecimento tácito acumulado, novas cadeias de valor em perspetiva, mas falta um ator-rede colaborativo acreditado que estabeleça uma conexão estreita de cooperação inteligente entre todos os atores em presença, o seu reagrupamento e, também, a sua sucessão geracional. E a cooperação é um recurso abundante, barato e acessível.

As bases do modelo AIBT/ICT na baixa densidade

Os efeitos externos positivos das atividades CIM e das atividades AAA devem ser articulados e utilizados de forma racional e alimentar ações integradas de base territorial (AIBT) apoiadas pelo programa de desenvolvimento rural (PDR) e pelo programa de transformação da paisagem (PTP). Falo de comunidades e plataformas colaborativas que se reportam, por exemplo, aos parques naturais e/ou geoparques, zonas de intervenção florestal, áreas integradas de gestão paisagística, condomínios de aldeia, cooperativas agrícolas e regadios coletivos, bancos de terra e programas de emparcelamento, aldeias históricas e turismo rural, turismo ecológico e percursos de natureza, entre muitas outras iniciativas. As escolas superiores agrárias (ESA) e profissionais agrícolas (EPA), as direções regionais de agricultura (DRA) e do ambiente, as comunidades intermunicipais, as organizações empresariais e profissionais, os municípios, as associações de desenvolvimento local (ADL) e as organizações não-governamentais (ONG), são os parceiros certos para desenhar e compor estas AIBT. Eis, agora, o que poderia ser uma agenda AIBT/ICT para essa abordagem:

  • Um programa de restauração, conservação e valorização biofísica e paisagística;
  • Um programa de energias renováveis e tradicionais de baixo consumo energético;
  • Um programa de incentivo aos modos de produção agro-biológicos;
  • Um programa de ordenamento da visitação em áreas de paisagem protegida;
  • Um programa de ordenamento e planeamento de atividades em espaço agroflorestal;
  • Um programa de artes, ofícios e tecnologias tradicionais para os mais idosos e jovens;
  • Um programa de cooperação/extensão entre explorações agrícolas e microempresas;
  • Um programa de entreajuda, voluntariado, solidariedade e envelhecimento ativo.

Notas Finais

Em resumo, temos à nossa disposição três arranjos institucionais e produtivos – CIM, AAA e AIBT – e a questão essencial é evitar a dispersão e pôr a funcionar plenamente as comunidades que estão implícitas nestes arranjos, assim como o ator-rede mais indicado, de tal modo que formem um triângulo operativo virtuoso. Quero crer que, em cada NUTS II, a estrutura de missão deste triângulo virtuoso poderá ser formada pelas direções regionais de agricultura (DRA), as escolas superiores agrárias (ESA) e as estruturas associativas empresariais, obviamente em colaboração com outros parceiros. Do mesmo modo, em cada NUTS II teríamos um quadro regulador para o mundo rural em transição designado de Programa Integrado de Desenvolvimento Agro rural (PIDAR).

A terminar, dois avisos. O primeiro, para os efeitos assimétricos e os acidentes imprevistos das grandes transições, pois vamos precisar de toda a solidariedade disponível para enfrentar coletivamente esses momentos mais críticos da emergência climática. O segundo, o meu desejo de que o quadro normativo e institucional das grandes transições não se converta num acréscimo de custos de formalidade insuportável para as micro e pequenas iniciativas. Ficam, desde já, os avisos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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