As universidades e a coesão territorial

A promoção da educação à distância com uma boa ligação à Internet e bons conteúdos curriculares, com períodos presenciais e práticos, é crucial para evitar o despovoamento. Só que para que tal ocorra é preciso apostar com clareza no ensino digital, e não em modelos de ensino ultrapassados, como o pós-laboral.

É um facto que o modelo territorial vigente estabelece um fosso entre o rural e o urbano. Neste artigo, defendemos a necessidade de se pensar em moldes inovadores a relação entre a qualificação das pessoas e a coesão territorial.

Grande parte dos jovens sai para estudar ou trabalhar e não regressa às suas terras, o que é verdade para as cidades médias e é especialmente evidente no interior. Tem havido algumas medidas que favorecem o estudo em universidades do interior, mas o que se pede é um modelo educacional que facilite a fixação das famílias nos territórios.

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Paulo Pimenta

A promoção da educação à distância com uma boa ligação à Internet e bons conteúdos curriculares, com períodos presenciais e práticos, é crucial para evitar o despovoamento. Só que para que tal ocorra é preciso apostar com clareza no ensino digital, e não em modelos de ensino ultrapassados, como o pós-laboral.

A pandemia mostrou a viabilidade do teletrabalho em várias atividades profissionais, de acordo com modelos de produção descentralizados e trabalho autónomo, o que vale também para o ensino, desafiando a missão das universidades na qualificação das pessoas, para que possam estudar sem necessidade de se deslocar.

O ensino digital não significa afastamento, mas proximidade. E implica sempre uma relação com o território, sendo que as abordagens pedagógicas devem ser diferentes, consoante se trate de um território urbano ou rural, porque as condições de partida das pessoas são diferentes. A principal diferença está no nível médio de formação individual, que é superior nas áreas urbanas. Essa é a razão pela qual a Universidade Aberta dispõe de Centros Locais de Aprendizagem em territórios de baixa densidade, com a tarefa, entre outras, de desenvolvimento da literacia digital das populações.

Na União Europeia, 137 milhões de pessoas, que correspondem a 30% da população, habitam em 80% do território, com níveis de acesso aos bens inferiores às médias nacionais. Daqui decorre o desafio de qualificar essas pessoas através de modelos flexíveis de ensino digital que permitam a sua fixação nos territórios em condições competitivas.

A recente Declaração sobre “Uma Transformação Verde e Digital da UE” (EC 2021), reconhecendo o papel crucial que os territórios rurais podem desempenhar na transição digital e verde da Europa, cria um roteiro que procura reduzir e, se possível, inverter até 2040 a perda de população nesses territórios, com políticas públicas inovadoras. Sob o lema “Não deixar ninguém e nenhum lugar para trás”, o documento propõe mobilizar atores públicos e privados com vista a desenvolver as comunidades rurais para que estas se tornem: i) mais fortes, com acesso a serviços essenciais e uma cultura inovadora; ii) ligadas através de infraestruturas digitais e terrestres; iii) resistentes, através do desenvolvimento do capital social e ambiental; e iv) prósperas, através da diversificação das atividades económicas e do apoio ao empreendedorismo feminino. De acordo com o documento, cabe à universidade digital online assegurar que todos os investimentos e ações para melhorar as infraestruturas e os serviços disponibilizados às pessoas promoverão comunidades rurais capazes, empreendedoras, coesas e cooperativas.

A contribuição da universidade digital online para o reequilíbrio territorial passa por vários pontos. Nas zonas rurais, as pessoas precisam de ter incentivos para aperfeiçoar os seus conhecimentos ou especializar-se profissionalmente sem terem de desistir do seu modo de vida. Para o conseguir, precisam de adquirir competências digitais, empresariais, ambientais e humanísticas. O ensino à distância, na sua modalidade digital e online, reúne as melhores condições para esse objetivo, o que pode ser conseguido com parcerias entre as universidades, as autarquias locais e outros atores.

Consegue-se uma ruralidade mais ligada através de uma dinâmica académica que estimule e articule a geração de conhecimento entre diferentes núcleos territoriais. A produção de teses de doutoramento, de projetos de investigação e de processos abertos de inovação nos territórios são algumas das formas de desenvolvimento propostas.

Para termos zonas rurais mais resilientes, diz-nos a experiência que a universidade digital deve promover, com a sua comunidade de professores, estudantes e antigos estudantes, a construção de redes de cooperação em larga escala, com troca de conhecimentos e boas práticas que promovam o aumento do capital social e da capacidade produtiva dos territórios.

Finalmente, no que diz respeito à riqueza e prosperidade dos territórios, o apoio virtual a diferentes iniciativas empresariais, a geração de oportunidades de formação e a prestação de serviços de orientação profissional contribuem para alcançar uma diversificação económica inclusiva e sustentável.

Se, no seu tempo, a chegada dos caminhos-de-ferro ilustrou o progresso, hoje a chegada da tecnologia digital de alta velocidade abre novas possibilidades de desenvolvimento pessoal e coletivo, desde que as pessoas a saibam utilizar, não importando o lugar onde se encontrem.

Uma universidade digital e em rede de qualidade é essencial para garantir a igualdade de oportunidades onde quer que possam existir ligações entre pessoas. Por outras palavras, uma universidade digital e em rede permite novas oportunidades educacionais, desde que haja investimentos para a instalação de ligações digitais robustas.

O mundo digital em que vivemos, marcado pela diluição das distâncias e a globalização das atividades humanas, exige respostas inovadoras das universidades. É necessário abrir o debate com a consciência da relevância das políticas educativas para que o país seja mais ativo, eficiente e comprometido. Ou seja, estamos a dizer que existe uma relação entre o progresso do conhecimento e a melhoria da sociedade, que implica novas formas de desenvolvimento do território.

Nos programas dos partidos em matéria de ensino superior e coesão territorial, nas recentes eleições, encontrámos propostas datadas que não respondem às necessidades das pessoas. Gostaríamos de ter visto propostas sobre a criação de territórios saudáveis, sejam áreas metropolitanas ou municípios pequenos, com aposta na reabilitação urbana, na utilização eficiente dos recursos e na configuração da mobilidade sustentável e universidades ao serviço da cidadania e da coesão territorial. Esperamos ver essas propostas no programa do novo governo.

Um país que acredita nos seus cidadãos oferece-lhes oportunidades, atuando contra o desemprego e reorientando o sistema educativo para as necessidades dos mercados de trabalho em mudança e dinâmicos, que criam novas profissões adaptadas às necessidades e potencialidades dos territórios.

Falamos de um país que acredita na universalidade do direito à educação e por isso promove a aprendizagem ao longo da vida e o talento, apoiando os empreendedores e inovadores e disseminando o conhecimento produzido.

Já que os programas partidários foram omissos ou insuficientes, estas propostas são um desafio para que as universidades e o ensino digital, levados a sério e com os apoios e os incentivos devidos, estejam ao serviço do desenvolvimento sustentável dos territórios habitados.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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