COP26: há um mundo fora desta cimeira fóssil

A crise climática é uma decisão política, e sabemos que a mudança de que precisamos não virá das instituições, mas sim do poder colectivo das pessoas. Fomos centenas de milhares nas ruas de Glasgow, enchendo o ar de sentimentos de amor, solidariedade e coragem.

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Reuters/YVES HERMAN

Todos os dias, à entrada da COP26, o barulho dos delegados que esperavam na fila para entrar no recinto era abafado por tambores e cânticos vindos de fora do perímetro da Cimeira. Os ritmos contagiantes e poderosas palavras de activistas de todo o mundo contrastavam diariamente com a monotonia dos corredores cheios de delegados de fato e gravata que pela conferência passeavam. 

Esta COP foi, tal como todas as anteriores, uma Cimeira do Clima construída para falhar.

Uma Cimeira do Clima em que a indústria fóssil teve a maior delegação: mais de 500 delegados, de mais de 100 empresas - mais do que os delegados de Porto Rico, Birmânia, Haiti, Filipinas, Moçambique, Bahamas, Bangladesh e Paquistão todos juntos. Uma Cimeira do Clima em que a indústria fóssil foi melhor recebida do que jovens, do que pessoas com necessidades especiais, do que povos indígenas, do que comunidades na linha da frente da crise climática: do que todos aqueles que deveriam ter estado a ser ouvidos. Uma Cimeira do Clima que foi a mais exclusiva de sempre. Uma Cimeira do Clima que, mais uma vez, não passou de um acto performativo de greenwashing.

Já li por aí que a COP26 não tomou decisões. Mas tomou. Decidiu destruir várias regiões por combustíveis fósseis. Decidiu empurrar para o lado o apoio para perdas e danos e o financiamento para mitigação e adaptação para os países e comunidades na linha da frente da crise climática. Decidiu acolher acordos que nos colocam rumo a um aquecimento global de 2,4ºC - uma sentença de morte para milhões de pessoas. Isto são grandes decisões.

O problema central de todas as COP é exposto sucintamente no texto final resultante das duas semanas de negociações: o Pacto Climático de Glasgow diz-nos reparar na importância para alguns do conceito de “justiça climática”. Apenas “para alguns”. 

A crise climática não é um problema de amanhã, dos próximos cinco ou dez anos: está aqui agora, e não é dissociável de direitos humanos ou de justiça social. Segundo a Global Witness, 227 líderes e activistas climáticos foram assassinados em 2020, quase 30% deles na Colômbia, por defenderem as suas terras e o planeta. Durante esta Cimeira, desapareceu Irma Galindo, uma voz contra a desflorestação de San Esteban Atatlahuca, em Oaxaca, no México - uma das muitas vozes que não teve a oportunidade de ser ouvida numa conferência como a COP. 

Ao mesmo tempo, países do Norte Global, historicamente responsáveis pela crise climática, continuam a recusar-se a contribuir com o que quer que seja para a progressão da justiça. Não é possível resolver esta crise no mesmo sistema que a criou: um sistema imperialista, colonialista, capitalista.

A crise climática é uma decisão política, e sabemos que a mudança de que precisamos não virá das instituições, mas sim do poder colectivo das pessoas. Fomos centenas de milhares nas ruas de Glasgow, enchendo o ar de sentimentos de amor, solidariedade e coragem. Protestámos, cantámos e marchámos com activistas de todo o globo, com o movimento local por direitos laborais e com a população da cidade. 

Nestas duas intensas semanas, tive o prazer de lutar de mãos dadas com activistas que tanto me ensinaram, e que tanto têm para contar. Dias e noites não só de trabalho, stress, brainstorming; como de alegria, partilha, amizade. A luta por justiça climática também é isso: aprendizagem, colaboração, comunidade. 

Deixemos que os tambores e cânticos nos relembrem constantemente de que há um mundo para além destas conferências, e de que é nesse mundo que a verdadeira mudança acontecerá. O povo unido jamais será vencido. A luta continua, e juntos, venceremos.

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