Liberdade de escolha e de consciência na educação escolar

São muitos os paisque favoreceriam uma densificação do nosso regime legal da liberdade religiosa e de consciência no sentido de isentar os seus filhos da aprendizagem de comportamentos que, embora legais, são incompatíveis com a doutrina moral da Igreja Católica.

O clamor causado pela resistência da tutela da Educação ao exercício do direito à objeção de consciência pela familia Mesquita Guimarães contra a aprendizagem pelos seus filhos de comportamentos que, embora legais, contradizem os seus valores é um bom ensejo para introduzir finalmente a liberdade de escolha entre escolas públicas, em conformidade com a primazia dos pais na educação dos filhos que a nossa Constituição reconhece.

Bastaria que o legislador concedesse às escolas públicas tripla autonomia administrativa, A) de gestão dos respetivos orçamentos, fixados pela multiplicação do número de alunos inscritos pelo custo nacional per capita em cada ciclo, B) de condução do projeto pedagógico e curricular e C) de recrutamento dos professores, para que a escolha entre elas pudesse deixar de depender do local de residência dos alunos para passar a depender da identidade de cada uma delas, como já acontece nas escolas privadas.

Seria além disso recomendável que o legislador repusesse todos os exames nacionais, e instaurasse a exclusividade das suas notas para a classificação final, pois é a realização de exames nacionais no fim de cada ciclo, e de cada ano do secundário, incidentes sobre os programas nacionais das disciplinas obrigatórias, que garante a aquisição de competências comuns nesses domínios e portanto a plena mobilidade dos alunos entre escolas.

Numa etapa subsequente, a qual, ao contrário desta, já não seria orçamentalmente neutra porque só no ciclo secundário são 15 por cento os alunos que frequentam escolas privadas,  poder-se-ía então estender também a estas a liberdade de escolha entre escolas públicas, mediante a atribuição universal de um cheque, de um montante correspondente ao custo médio anual por ciclo de cada aluno, com o qual os encarregados de educação passariam a pagar propinas em qualquer escola, privada ou pública.

Isto dito, a introdução em duas etapas da liberdade de escolha na educação escolar ainda não resolveria plenamente o problema de fundo que o caso Mesquita Guimarães expôs, porque o nosso regime legal de liberdade religiosa e de consciência não habilita inequivocamente os pais a recusar o ensino, aos filhos que frequentam escolas públicas, de comportamentos que, embora legais, sejam contrários aos seus valores. O que se tornou saliente sobretudo após a revisão em 2018 do regime da chamada autodeterminação de género, desde então aplicável a menores e sem recomendação médica, cujo ensino na cadeira de Educação para a Cidadania é obrigatório enquanto o Tribunal Constitucional não decidir eventualmente o contrário, em resposta ao pedido de fiscalização do diploma que 88 deputados fizeram no mesmo ano em que o regime foi revisto. 

Recorde-se que ainda em 2017, segundo o último relatório do Pew Research Center sobre religião na Europa, 77 por cento dos portugueses maiores de 18 anos declaravam ser católicos, 37% rezar todos os dias, 36% ir a um serviço religioso pelo menos uma vez por mês, 34% ser contra o aborto legal e 28% ser contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

São pois muitos os pais católicos portugueses que favoreceriam uma densificação do nosso regime legal da liberdade religiosa e de consciência no sentido de isentar os seus filhos da aprendizagem de comportamentos que, embora legais, são incompatíveis com a doutrina moral da Igreja Católica - vide o excelente documento que a nossa Conferência Episcopal emitiu quando foi aprovado em 2013 o primeiro regime jurídico da chamada autodeterminação do género.

A lei deveria assim passar a definir com clareza as situações escolares em que o direito à liberdade religiosa e de consciência poderia prevalecer sobre outros direitos e estabelecer em bases mais fortes quer a liberdade de recrutamento pelos diretores das escolas católicas de professores que adiram aos valores nelas ensinados quer a liberdade de objeção de consciência dos professores católicos no exercício de funções docentes em escolas públicas.

As vantagens da adopção dum regime justo de liberdade de escolha entre escolas, isto é, que não dependa do rendimento dos encarregados de educação, associado a um regime claro de liberdade religiosa e de consciência em meio educativo, não se esgotam evidentemente no fomento de um maior respeito pelas convicções de cada pessoa e, em consequência, na promoção de hábitos mais robustos de tolerância.

Mas o que parece igualmente evidente é que uma tal transferência de responsabilidades da administração central, quer para os dirigentes dos serviços periféricos (o adjetivo diz tudo…) quer para as famílias que a eles recorrem, é mais consentânea com o nosso estádio de desenvolvimento e sobretudo com o que deveria ser o objetivo supremo da ação do estado: proteger e ajudar os cidadãos a exercer com segurança e equidade a sua livre e recta consciência em todos os domínios da vida espiritual e material.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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