O tempo do Tribunal Arbitral do Desporto

A justiça desportiva tem os seus tempos, não tem um tempo único. Contudo, quase três anos para alcançar uma decisão do TAD não pode, nunca, ser encarado, seja de que ângulo for, como algo de compreensível.

1. Na página do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) chamou-nos a atenção o Processo n.º 69/2018, não tanto pela decisão em si, nem pela sua extensão, nem ainda por se tratar de mais uma situação de medida disciplinar sobre comportamento de adeptos, nem mesmo ainda por ser mais uma (entre tantas) sanção de realização de um jogo à porta fechada. O que nos colocou em alerta foi o ano do processo: 2018, sendo que nos encontramos (acho eu) em 2021.

Consultado o processo, constata-se que o concreto TAD constituiu-se em 2 de outubro de 2018, ultrapassou uma providência cautelar e decidiu o processo no dia 15 de setembro de 2021, ou seja, este processo demorou 1080 dias a ser concluído, aproximando-se, pois, dos 3 anos. Algo não está bem.

2. Não temos a fantasiosa noção de que o tempo do desporto impõe sempre uma decisão rápida das instâncias disciplinares, do TAD e dos tribunais administrativos e que todos os litígios se podem resolver em meia dúzia de dias ou mesmo de horas. Há casos em que tal é possível – veja-se os processos sumários nos conselhos de disciplina -, mas há outros em que não se nos afigura, de todo possível, um processo demasiado célere para o que se encontra em causa. Defendemos sempre – e julgo, se me é permitido, sempre aplicámos, um princípio de celeridade em todas as ocorrências disciplinares, mas celeridade compreendida no contexto de cada tipo de processo. E isso só é possível com muito empenho e de muitos operadores.

3. Também temos como possível que o arrastar de processo – como sucede fora do desporto – pode ser (e é) por vezes determinado pelas partes ou por uma das partes do processo, para além de outros fatores imprevisíveis. Mas a celeridade, nesses contextos, é ainda possível, como princípio de ação, por parte do órgão decisor, imprimindo ele próprio a velocidade que pretende conferir ao processo.

4. Quase três anos no TAD, em busca de uma decisão final, nessa instância, parece-nos um exagero, mesmo tendo em conta as ressalvas a que atrás aludimos.

O tempo do TAD, em geral, ganha quando confrontado com o tempo dos tribunais administrativos de primeira instância, quando eles, no passado, eram chamados a intervir em matéria desportiva, o que não era tão normal assim. Mas tal não pode significar que o tempo do TAD não deva ser apreciado isoladamente.

É que uma das pedras filosofais da construção do TAD era uma pretensa celeridade própria. Se mirarmos além TAD – para os recursos das suas decisões para o Tribunal Central Administrativo Sul e Supremo Tribunal Administrativo – o TAD fica bem a perder nessa “corrida contra o tempo”, mesmo quando somamos o tempo dos dois recursos.

5. A justiça desportiva – que isto seja assumido com clareza e não se continue a “sonhar” –, tem os seus tempos, não tem um tempo único. Contudo, quase três anos para alcançar uma decisão do TAD não pode, nunca, ser encarado, seja de que ângulo for, como algo de compreensível.

6. Ao Conselho de Arbitragem Desportiva impõe-se uma leitura atenta, exaustiva e pública dos dados da atividade do TAD nestes 6 anos, um estudo completo que torne evidente o bom, o menos bom, o mau e o péssimo do TAD.

Curiosamente, ou talvez não, ninguém, incluindo esse órgão do TAD, faz esse balanço objetivo, continuando a roda a movimentar-se em velocidade de cruzeiro, como se nada se passasse. Tem algo de Titanic.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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