O dinheiro não vai salvar o mundo

Em São Tomé e Príncipe, observei, a cada meia dúzia de quilómetros, uma placa com o seguinte texto: “Projecto Financiado por: ____”, onde o espaço em branco, na maioria das vezes, toma a forma de União Europeia, Nações Unidas ou Instituto Camões. Parece portanto paradoxal a situação que descrevo abaixo.

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Nuno Ferreira Santos

Mais de 34,2 milhões de dólares entram anualmente em São Tomé e Príncipe (STP). O valor exacto ficou por determinar pela inexistência de relatórios transparentes sobre a quantia de dinheiro investido. O artigo que se segue pretende descortinar esses investimentos, e o seu real impacto no desenvolvimento de STP. Receio, no entanto, estar a falar deste país em particular, mas o artigo ser o relato da situação de muitos outros países em desenvolvimento.

Numa estadia neste país temos a sensação de estar a viajar no tempo. Chegamos a meados do século XX, quando a electricidade e a água canalizada ainda não estavam acessíveis à generalidade da população. Sim, porque apesar de 71% da população ter acesso à electricidade, raramente passa um dia sem que falhe. E se é que nos afastamos do centro da capital, torna-se bem provável que falhe todos os dias pelo menos um par de horas. Observei a cada meia dúzia de quilómetros, uma placa com o seguinte texto: “Projecto Financiado por: ____”, onde o espaço em branco, na maioria das vezes, toma a forma de União Europeia, Nações Unidas ou Instituto Camões. Parece portanto paradoxal a situação que descrevo abaixo.

Independentemente do apoio financeiro, a população e o seu desenvolvimento parecem ter estagnado desde 1990, 15 anos após a independência do país. Ironicamente, foi também nesse ano que se iniciaram as cooperações internacionais em STP. A realidade é, no entanto, incontornável, a pobreza e exclusão social (66,7% da população abaixo da linha de pobreza em 2017) têm sido persistentes apesar das tentativas não-violentas de revolução em 1995, 1998, 2003 e 2009. A percentagem de população nestas condições é especialmente chocante se compararmos com anos anteriores: em 2001 era de 53,8% e na década de 90 está estimado por volta dos 50%.

Aquando dos apoios financeiros recebidos, o único aumento notável foi o número de funcionários públicos, o que aumentou consequentemente os custos dos recursos humanos. O apoio financeiro pouco ou nada está a fazer para melhorar as condições a longo prazo da população. Este poderá resultar de má gestão de recursos por parte das autoridades santomenses, ou da pobre actuação dos parceiros para o desenvolvimento. Afinal de contas, apenas os números são certos, tudo o resto são hipóteses para justificar os resultados decrescentes da situação social.

Denoto, no entanto, os enormes benefícios de ter projectos a promover os cuidados de saúde primários, a protecção infantil e das famílias, e segurança alimentar, que de outra maneira não estariam acessíveis à maioria da população santomense. A sua ausência notar-se-ia especialmente na população abaixo do nível de pobreza. Sirva este artigo para mais que uma breve leitura, uma discussão sobre as possíveis razões para essa ausência de desenvolvimento,
(1) será o colonialismo da actualidade (dependência massiva do turismo);
(2) as exportações em bruto sem processamento dos produtos;
(3) a ausência de cooperação estratégica; ou outra causa que escapa ao âmbito deste texto.

Depender do turismo não é uma realidade estranha para Portugal. Contudo, há que olhar para países como STP com uma perspectiva diferente. A sua economia desde sempre se baseou na exportação da sua produção agrícola. A diferença é que em STP o clima torna as terras extremamente férteis, factor que levou Portugal a esmiuçar o terreno e tornar STP o maior exportador de cana-de-açúcar no séc. XVI, e um forte exportador de cacau (que permanece nos dias de hoje).

Quatro séculos mais tarde, após a independência (1975) e apesar do esforço da administração pública, as exportações agrícolas sofreram um grande abalo, e a economia só volta a recuperar a partir de 2005. Três motivos justificam a recuperação:
(1) aumento da cooperação internacional;
(2) apreciação desmedida por chocolate (aumento das exportações);
(3) investimento no sector turístico.

Este último factor resultou também na percepção de riqueza no estrangeiro e poderá ser a razão pela qual os santomenses associam prosperidade à presença de turismo. Assim, a região tornou-se excessivamente dependente da entrada de estrangeiros dispostos a despender o seu dinheiro. As exportações em STP são à base daquilo que produzem agricolamente: cacau, café, óleo de palma e pimenta. E apesar de nos tempos pré-pandémicos, entre 2016 e 2017, se ter observado um crescimento de exportações cotado em 6,29 milhões de dólares, atrevo-me a dizer que esse crescimento estagnaria inevitavelmente. A área das Ilhas (São Tomé e Príncipe) é de 1 001 quilómetros quadrados, 92 vezes mais pequeno que Portugal, a população está a crescer a 1,5% ao ano, necessitando de mais espaço e também mais recursos. É, portanto, impraticável a quantidade de matéria exportada aumentar de forma ilimitada. A ruptura é inevitável, e este método dificilmente levará ao aumento da riqueza. Se mal gerido, poderá até no futuro promover a escassez de alimentos.

Por último, falemos sobre cooperação e o resultado da sua inexistência. Primeiro, a relação tenebrosa entre o exterior e o interior. Notemos que os investimentos feitos no país raramente chegam ao Estado apesar de serem, em qualquer outro país, associados a despesas correntes do Estado (Educação, Saúde e Saneamento). O que acontece é que surgem escolas e centros de saúde que posteriormente o Estado necessita pagar, ficando em dívida para com os investidores. Segundo, a caça aos financiamentos que gera nas diferentes organizações presentes no país uma elevada competitividade. Impossibilitando a cooperação entre as mesmas para o objectivo que deveria ser comum  —  o desenvolvimento do país. Raramente, o apoio financeiro isolado promoverá o progresso e melhorias a longo-termo das condições de vida das populações em países em desenvolvimento.

Aqueles que financiam tanto têm a ganhar como os que recebem o financiamento. Não fosse o caso dos apoiantes não só receberem os louros, como também o resultado do endividamento destes países. Se o objectivo máximo é realmente ajudar, porque não criar meios de cooperação transparentes entre organizações que trabalhem localmente?

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